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11/10/2024 às 08h00min - Atualizada em 11/10/2024 às 08h00min

Sétimo selo

WILLIAM H STUTZ
"Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu cerca de meia hora.
Então vi os sete anjos que se acham em pé diante de Deus, e lhes foram dadas sete trombetas. (..)" Livro das Revelações


Trôpego tento alcançar o corrimão de minha existência.
Encontro o vazio.
A mão trêmula se apoia em vento, lembranças vagas giram por minha mente carcomida; dor e martírio.

Olhar turvo, ofuscado.
Apenas sombras. Manchas coloridas como autênticos Monets: As Escarpas de Etretat, as Amapolas, a Ponte de Argenteuil estão todos lá, visões, porém amargas e sem luz. Manchas.

A morte assusta, perturba.
Como na parábola do cavaleiro medieval - preparo meu tabuleiro para derradeira partida.
O medo avança, já não sou senhor de mim e de meus atos.

Sete anjos, sete trombetas.
Separadamente, irremediavelmente sós - viveremos cada um, nosso próprio apocalipse.

Sete anjos, sete trombetas ecoam pela vastidão da minha alma, cada som uma reverberação distante, mas visceral. O som arranha a mente como um eco de algo esquecido, perdido em algum lugar entre a vida e o sonho. Tento me erguer novamente, mas a fraqueza invade meu corpo como uma sombra que não posso evitar. O corrimão da minha existência, antes sólido, se dissolve em pó diante dos meus olhos, e o abismo se abre à minha frente. 

Estou à beira de algo irrevogável, como se um vento gelado soprasse sobre a fronteira entre o ser e o não-ser. A cada passo, sinto o peso do tempo. O medo, outrora distante, agora me abraça com dedos invisíveis. O tabuleiro está quase completo. As peças, antes dispersas, começam a se alinhar para a última jogada. E ao longe, ouço passos — os meus próprios, aproximando-se de um fim que sempre temi, mas nunca soube enfrentar.

Olho ao redor, buscando algum sinal de salvação, mas só encontro o reflexo distorcido de minha própria sombra. As escarpas de Etretat, outrora imponentes, agora são apenas vultos fragmentados de uma memória que já não sei se é minha ou emprestada. As papoulas, outrora vibrantes, perdem suas cores sob o peso de um céu que parece estar caindo sobre mim.

A morte se aproxima como um convidado indesejado, mas inevitável. Tento resgatar algum sentido, algum fragmento de dignidade nessa travessia, mas a verdade é crua: já não sou mais senhor de nada. Apenas espero o som da oitava trombeta, aquela que selará tudo.

O calor extremo pelo qual estamos passando pode esgotar as energias físicas e mentais, dificultando a capacidade de lidar com os desafios diários por menor que sejam. O desconforto constante, a privação do sono (geralmente causada por noites quentes) e a sensação de impotência diante de uma situação climática incontrolável são fatores que afetam diretamente o humor e a disposição das pessoas. O humor vai ladeira abaixo e a paciência viver no limiar.  Além disso, uma seca prolongada pode provocar perdas de contatos e de relações interpessoais, aumentando o estresse e a incerteza sobre o futuro, “já não quero, não posso mais te amar”.

Estas condições adversas muitas vezes levam ao isolamento social. Como as pessoas evitam atividades ao ar livre por causa do calor, ou mesmo podem evitar interações sociais devido ao estresse e à exaustão emocional, a quadros de depressão. O isolamento emocional, aliado ao desgaste causado pelas condições ambientais, cria um terreno fértil para o desenvolvimento de problemas de saúde mental. E ao limite da intolerância.

É importante que haja suporte? Talvez, mas o mais importante é reconhecer que tudo isso é culpa nossa, da ganância exagerada pelo lucro, o desprezo com estas bandas. Nossa única casa é essa e a estamos perdendo. E com ela vamos nós. Talvez já estejamos em um ponto sem volta, talvez não. Me horrorizo com as guerras que te hora para outra começaram a incendiar mais ainda e colocar em perigo toda a vida existente depois de séculos de evolução, um bicho anda na contramão da nossa casa. Nós humanos estamos a traçar o triste fim de uma caminhada que teve tudo para ser bem-sucedida, feliz e rica, não em ouro, mas em essência.

E não me venham colocar a culpa em uma serpente e uma maçã, A cobra já fumou e a maçã se perdeu na fruteira de sua linha do tempo.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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