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09/03/2024 às 08h00min - Atualizada em 09/03/2024 às 08h00min

O Ozempic e seus similares: vieram para ficar?

JOÃO LUCAS O'CONNELL
Com o aumento global dos números de pacientes obesos e do número de pacientes em risco de desenvolverem a obesidade e suas complicações, o desenvolvimento e aprimoramento de novas classes terapêuticas para o combate a esta cruel epidemia passa a ser cada vez mais necessário.

Os agonistas do peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1) são medicações relativamente novas (que chegaram ao mercado nos últimos 5 anos) e que estão mudando o cenário do tratamento medicamentoso da obesidade. Nos ensaios clínicos, os agonistas do GLP-1 produzem uma perda de peso ajustada ao placebo de 12% a 18% - excedendo qualquer terapia farmacológica anterior e gerando enorme atenção da sociedade, da mídia e uma taxa de utilização cada vez mais significativa.

De 2021 a 2023, o preço das ações de 2 fabricantes, Novo Nordisk e Eli Lilly, triplicou, com uma avaliação combinada agora superior a US$ 1 trilhão, levando estas empresas a um outro patamar em termos de valor, relevância no mercado e faturamento.

No entanto, existe confusão clínica e pública em torno dos custos, tolerabilidade e acesso no mundo real. Não só no Brasil, mas também no mundo. Nos EUA, por exemplo, metade dos adultos têm interesse em tomar um medicamento com prescrição para perda de peso, e 93 milhões preenchem os critérios de elegibilidade para perda de peso com GLP-1. Os preços de tabela nos EUA são de US$ 12.000 a US$ 16.000 por ano; mesmo com descontos negociados, os custos provavelmente excederão US$ 6.500 por ano. Se todos os adultos elegíveis nos EUA recebessem agonistas do GLP-1 com descontos, o custo anual seria de US$ 600 bilhões - igual a todos os outros gastos com medicamentos com prescrição nos EUA combinados.

Há esperanças de que a concorrência reduza os preços, mas cada agente GLP-1 é protegido por aproximadamente 20 patentes, muitas indo até 2040 ou além. Mesmo que os preços atuais diminuam, a experiência com outras classes de medicamentos importantes sugere que novos agentes nesta classe serão introduzidos, com benefícios incrementais, mas continuando com preços altos e marketing agressivo, o que torna improvável que os custos totais diminuam significativamente em breve. Para o ano que vem, o lançamento de novas apresentações de drogas já disponíveis (com doses maiores da droga contida no Ozempic) e também outras apresentações com outras moléculas associadas a Semaglutida são ansiosamente aguardadas.

Nos ensaios que estabelecem a eficácia dos agonistas do GLP-1, a perda de peso se estabiliza aos 12 a 18 meses. E, se o medicamento for interrompido, os pacientes geralmente recuperam o peso perdido dentro de um ano, o que leva ao uso crônico recomendado. Para os pagadores, isso cria um cenário de custo proibitivo. A perda de peso ocorre no início, mas depois se estabiliza, sendo necessários anos de tratamento contínuo apenas para manter os benefícios iniciais.

Consequentemente, mesmo levando em consideração os benefícios à saúde, os agonistas do GLP-1 aumentam substancialmente os custos. Em uma análise, os custos totais anuais com cuidados de saúde entre os pacientes aderentes ao medicamento dobraram, passando de aproximadamente US$ 13.000 por pessoa antes de iniciar o medicamento para US$ 26.000 depois. Assim, a pergunta atual não é se estas medicações são seguras e eficazes para promover a perda de peso, mas sim se elas são custo efetivas. Ou seja, vale a pena pagar o preço para manter o uso contínuo da medicação? Se sim, para quais pacientes ela seria efetiva?

Pacientes, clínicos e fontes pagadoras (convênios médicos e seguradoras de saúde) enfrentam, atualmente, um dilema: um programa inicialmente eficaz, porém caro e difícil de manter, de uso crônico de agonistas do GLP-1, versus uma estratégia menos dispendiosa, porém menos eficaz, de medicamentos mais antigos associados a orientação comportamental para mudança do estilo de vida e uma boa reeducação alimentar. A combinação da terapia com agonistas do GLP-1 com estilo de vida pode gerar benefícios maiores do que cada um sozinho, no entanto, uma abordagem combinada não altera os desafios de longo prazo relacionados ao custo ou adesão aos GLP-1, nem as desigualdades estruturais das abordagens de aconselhamento de estilo de vida.

Diante desse dilema, uma solução alternativa pode ser considerada: um novo paradigma de tratamento inicial, escalonado, com agonistas do GLP-1 apoiado por um programa de longo prazo de estilo de vida que aborde as barreiras estruturais. Dado o papel crítico da nutrição, isso significa não apenas fornecer conselhos, mas disponibilizar alimentos saudáveis: dietas que utilizem alimentos ou refeições medicamente apropriados. Esse programa deve incluir orientações eficientes e acompanhamento sobre nutrição, culinária, exercício e sono. Além de tudo isso, o aproveitamento da tecnologia para os programas de perda de peso também parece ser importante e oportuna. Aproveitar a telemedicina, a internet, aplicativos, a inteligência artificial e a gamificação parecem ser também boas oportunidades a serem implementadas e melhor exploradas nesta guerra da Medicina contra a epidemia da obesidade.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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