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27/01/2024 às 08h00min - Atualizada em 27/01/2024 às 08h00min

Solidão: uma doença grave que acomete cada vez mais os nossos idosos

JOÃO LUCAS O'CONNELL
Nas últimas semanas, o Brasil foi surpreendido por uma notícia que chocou a todos. Um homem de 71 anos, movido pela esperança de encontrar ouro, decidiu cavar um túnel em sua própria residência. Esse buraco, com cerca de 40 metros de profundidade, foi escavado de forma praticamente artesanal, sem qualquer auxílio de maquinário.

Infelizmente, o desfecho dessa história foi trágico. O idoso acabou caindo no buraco e veio a falecer em decorrência de politraumatismo. Vizinhos relataram que a escavação já ocorria há aproximadamente um ano e que o idoso havia investido uma grande quantia financeira nessa empreitada.

Essa notícia, embora pitoresca, nos remete a um caso similar ocorrido em Maceió há alguns anos. Duas mulheres idosas passaram oito longos anos escavando, com o auxílio de colheres, o terreno ao redor de sua casa. Essa empreitada chegou ao ponto de causar rachaduras nos imóveis vizinhos, o que levou à remoção das senhoras e à necessidade de receberem atendimento psiquiátrico.

Ambos os casos têm semelhanças que merecem destaque. Em ambos, idosos dedicaram um longo período a tarefas que colocavam em risco sua saúde física e patrimonial. E o mais preocupante é que aparentemente nada foi feito até que as situações chegassem a um ponto extremo. É justo questionar onde estavam os familiares, os amigos, a rede de atenção à saúde e o poder público durante todo esse tempo.

No entanto, devemos considerar que o número de idosos está aumentando e essa população enfrenta um maior risco de sofrer com o isolamento social e a solidão. O envelhecimento muitas vezes traz consigo alterações nas conexões sociais, como perda da audição, da visão e da memória, além de incapacidades e dificuldades motoras. Além disso, a perda de familiares e amigos também contribui para esse sentimento de solidão.

É importante diferenciar o isolamento social da solidão. O isolamento social se caracteriza pela falta de contatos sociais e de pessoas com quem interagir regularmente. Já a solidão é o sentimento de estar sozinho, mesmo quando se mantém relações sociais. É possível uma pessoa se sentir só mesmo quando está cercada de outras pessoas, assim como é possível ter pouco contato humano, mas não se sentir sozinha.

No entanto, tanto o isolamento social quanto a solidão são prejudiciais à saúde física e mental dos idosos. Estudos mostram que adultos solitários ou que vivem socialmente isolados são menos saudáveis, têm maior risco de hospitalizações prolongadas e de novas internações, além de maior chance de morrer precocemente em comparação com aqueles que possuem conexões sociais significativas.

A solidão e o isolamento social também estão associados a problemas como hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, obesidade, transtornos depressivos e de ansiedade, declínio cognitivo e demência. Pessoas solitárias ou socialmente isoladas tendem a se exercitar menos, consumir maior quantidade de álcool, serem tabagistas e terem problemas de sono, o que aumenta o risco de diversas doenças.

É preocupante que, nas consultas médicas, os profissionais de saúde frequentemente abordem fatores de risco como dieta, exercícios físicos e tabagismo, mas nem sempre encaram o problema da solidão com a mesma seriedade. Um guia sobre qualidade de vida dos idosos, publicado pelo Ministério da Saúde em 2006, destaca a importância da manutenção de laços sociais nessa faixa etária, mas trata o tema de forma superficial, perdido em meio a diversas páginas sobre outros hábitos de vida.

Uma avaliação sistemática da situação dos idosos em relação à solidão e ao isolamento social pode ajudar a identificar os possíveis impactos desses problemas em sua saúde. Para isso, é necessário investir no treinamento dos profissionais de saúde e fortalecer os instrumentos sociais para uma intervenção breve e efetiva nos casos mais graves.

A solidão em idosos é um problema que precisa ser levado a sério. Não podemos permitir que situações extremas, como a do idoso que cavou um túnel em busca de ouro, se repitam. É preciso agir de forma preventiva, oferecendo suporte emocional e social a essa população, para que possam desfrutar de uma velhice saudável e feliz. Afinal, a solidão não deve ser o destino de nossos idosos, mas sim a conexão e o afeto que merecem.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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