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04/03/2023 às 08h00min - Atualizada em 04/03/2023 às 08h00min

A evolução do homem e a pandemia da obesidade – Parte II

JOÃO LUCA O'CONNELL
Na última edição de nossa coluna, iniciamos uma reflexão sobre a relação do perfil de comportamento do Homem, ao longo da sua evolução histórica, com a prevalência das doenças que mais comumente nos acometem e que mais matam. Discutimos que, além do comportamento do Homem - em especial seu tipo de dieta e nível de atividade física diária - outros fatores também foram fundamentais para a mudança neste perfil de doenças mais prevalentes e letais. Assim, o maior desenvolvimento social e científico, uma melhor higienização e purificação da água e dos alimentos ingeridos, o desenvolvimento de vacinas e medicamentos, técnicas cirúrgicas e outras medidas preventivas e terapêuticas foram fundamentais para transformar a prevalência e letalidade das diferentes doenças e de garantir um aumento da expectativa média de vida da população. 

A expectativa média de vida do brasileiro era de 33 anos em 1900. Atualmente, é de 76 anos. Ou seja, em média, o brasileiro vive mais do que o dobro do tempo que vivia até 120 anos atrás. Este aumento importante da expectativa de vida foi influenciado, principalmente, pela impactante redução das taxas de mortalidade infantil nos últimos 120 anos (de 25 para 1,2%). Esta queda brutal da mortalidade infantil foi muito influenciada pelas melhores condições de alimentação, vacinação e do melhor tratamento para as doenças infecciosas nesta população.

A mudança no perfil da população (com muito mais idosos que antes) associado à mudanças importantes na rotina diária das sociedades (alimentação inadequada, mais ansiedade, mais tabagismo, mais alcoolismo, menos exercícios e menos sono) facilitam o surgimento de outras doenças (como o Diabetes, as doenças do coração e dos vasos sanguíneos e a maioria dos cânceres). Uma outra doença, que também é um fator de risco para todas as doenças supracitadas e que também teve um aumento expressivo de prevalência entre a população nos últimos 50 anos, é a obesidade. 

A cada segundo do dia, cada uma de nossas trilhões de células trabalha arduamente, absorvendo nutrientes, construindo novas proteínas e realizando inúmeras outras tarefas que nos mantêm vivos.  As tarefas essenciais da vida, incluindo crescimento, manutenção e reparação do corpo, requerem energia. Ou seja, nosso corpo já gasta energia (queima calorias) mesmo se ficarmos o dia todo parados. Quanto mais nos exercitamos, mais gastamos energia. Nosso metabolismo é a energia que gastamos (ou as calorias que queimamos) a cada dia. Quanto mais gastamos, mais precisamos para repor.  E todo organismo deve equilibrar suas contas. 

O grande problema dos dias atuais é que vivemos, nos últimos 70 anos, um período de abundância de calorias nunca antes vista na história do Homem. Até pouco tempo atrás, a maior parte das pessoas vivia em zona rural, aonde não havia abundância de recursos calóricos. Mesmo as condições para estoque de comida eram mais precárias (antes da eletricidade ser tão amplamente disponível no campo). Assim, a maioria das pessoas ingeria uma quantidade muito menor de calorias no seu dia a dia. Além do que, os alimentos ingeridos tinham, em geral, muito maior poder nutritivo (maior quantidade de proteínas e menor quantidade de carboidratos simples, como acontece nas principais dietas atuais). 

Por outro lado, se antes a maioria dos indivíduos passava boa parte do seu tempo em atividades relacionadas à produção ou colheita do alimento (com um nível de esforço físico diário razoável), hoje em dia, o conforto da compra de alimentos já colhidos e devidamente processados, industrializados e ensacados (com a adição de químicos para a sua conservação) faz com que haja um gasto calórico diário muito menor que o gasto de nossos ancestrais. 

Se, por um lado, estas mudanças nas necessidades e no comportamento humano foram uma benção para nossa criatividade coletiva, permitindo que muitos passem suas vidas como artistas, médicos, professores, cientistas – uma série de carreiras fora da produção de alimentos, por outro, nos expôs a uma abundância calórica associado a menor gasto energético diário. O aumento na prevalência dos obesos ao longo dos últimos 70 anos guarda uma relação muito estreita este desequilíbrio energético: uma ingestão calórica média muito maior do que o gasto diário. Este desbalanço acaba sendo muito maléfico e prejudicial e foi o principal responsável pelo importante aumento da obesidade no Brasil e no mundo. 


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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