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12/11/2022 às 08h00min - Atualizada em 12/11/2022 às 08h00min

Dissonância cognitiva coletiva

JOÃO LUCAS O'CONNELL
O processo eleitoral e estas duas semanas após a eleição no Brasil evidenciaram um grave problema que vem acontecendo na nossa Sociedade atualmente. Independentemente de você ter votado em um ou no outro candidato, você, muito provavelmente, acabou acreditando em notícias, falas ou promessas falsas, que estão muito longe da realidade do que realmente estava ou está realmente acontecendo no país... E, de tantas acusações e análises, ficou muito difícil distinguir o que é ilusão coletiva e o que é realmente a realidade. 

Todos os dias vemos pessoas inteligentes, estudadas, acreditarem em discursos ou notícias que beiram a loucura. São milhões de pessoas que, a cada dia, afundam num mundo da fantasia, a depender do que ouvem e do que acreditam. Mas, por que isto acontece? Por que acreditamos mesmo que, se um candidato ganhar, passaremos a viver no comunismo e teremos nossa casa invadida por pessoas menos favorecidas e seremos obrigados a acolhê-las. Por outro lado, por que acreditamos que, se o outro ganhar, passaremos a viver uma ditadura de extrema direita, em que o executivo dissolverá os outros poderes e exercerá o poder de maneira autoritária? Será que isto realmente poderia acontecer? 

Será culpa das redes sociais? Provavelmente não. Do contrário, não teríamos tido uma Alemanha nazista dezenas de décadas atrás. Também não teríamos milhões de pessoas mortas durante as várias guerras regionais ou mundiais prévias por terem acreditado num ideal comum. Mesmo sem redes sociais, a sociedade já mostrou ser capaz de se organizar em torno de ideais e ideias comuns, mesmo que aparentemente dissociadas da realidade. Até pouco tempo atrás, poderia parecer um absurdo acreditar que as pessoas da época acreditavam que os judeus eram seres inferiores e que não mereceriam viver. Entretanto, alguns comentários lidos e recebidos por mídias sociais contra quem votou no presidente eleito, me fizeram refletir sobre o quão possível é este tipo de ideia se tornar o senso comum para milhões e milhões de pessoas... Desejar o mal para quem simplesmente pensa diferente passou a ser bastante aceitável, defensável e mais: passou a ser o mais comum nas últimas semanas. 

Mas, enfim, precisamos dar o devido crédito à facilidade com que as mídias sociais e as mídias oficiais (ambas amplamente acessíveis atualmente). Ambas podem facilmente disseminar ideias e pensamentos que um grupo específico de pessoas deseja que sejam tomadas como verdade absoluta por todos. Vimos exemplos muito claros disto recentemente. Nas últimas semanas, nos deparamos com um fenômeno interessante... Vários influenciadores do mundo digital, provavelmente cansadas de serem manipuladas e de lerem ou ouvirem absurdos nas redes, decidiram criar notícias falsas, usando fotos de atores e cantores famosos para dar credibilidade à notícia, mas mudando suas identidades (para nomes esdrúxulos) para a propagação de notícias falsas e absurdas. E, pasmem! Muita gente caiu! 

Ao longo de séculos de evolução, nosso cérebro foi condicionado a ser menos usado para o raciocínio. Assim, passamos, evolutivamente, a tomar atitudes baseados no reconhecimento de padrões coletivos e assim segui-los. Sentimos conforto fazendo atividades que nos soam familiar e rotineira e que vemos outras pessoas fazendo. Assim, ao longo da história do Homem, se todos bebiam água do riacho, passamos a beber. Se um grupo matava animais para se alimentar e evitavam algumas frutas que poderiam fazer mal, passamos a repetir o comportamento do bando sem pestanejar. O próprio instinto de sobrevivência nos ensina que é preciso manter o padrão da tribo a fim de nos tornarmos mais fortes e termos maior chance de sobrevivência. Se é comum acreditar em algo no que a tribo acredita e espalhar aquela informação, passamos a fazê-lo instantaneamente. 

Além disso, também adoramos pertencer a um grupo ou uma tribo. É sempre assim. Desde nossa infância. Quando o movimento de pertencimento vem acompanhado de um estado de alta energia vibracional, melhor ainda... É por isso que as torcidas organizadas fazem tanto sucesso. Mata-se ou morre-se por elas e pelo time! Afinal, se meu grupo está vivo, forte e feliz, é porque suas rotinas já foram testadas e aprovadas. Passa a ser obrigatório repetir o padrão. As redes sociais amplificaram, em muito, este padrão de comportamento de grupo a ser seguido. Enfiados em nossa bolha e em nossas redes, recebemos cada vez mais e mais conteúdo que reafirmam a crença do grupo dominante, ao ponto que passamos a respirar apenas isso. Noite e dia. Dia e noite. E, mesmo que a nossa tribo esteja perdida numa narrativa completamente fantasiosa, e que sejamos chamados a nos confrontar com a realidade, temos apenas duas opções: desconfiar das nossas crenças ou da provável realidade. E: adivinha qual é mais fácil?! Na grande maioria das vezes, optamos por escolher a opinião imposta pelo grupo. Por mais absurda que ela possa parecer... 

Para o nosso cérebro, que ama rotinas e respostas simples, é mais confortável (e menos custoso) ignorar a realidade e as evidências, por mais gritantes que elas sejam. Confrontados com uma visão de mundo diferente, vamos nos refugiar em opiniões e dados que contradigam isso, que reafirmam que nossa ideia original é a certa. E se esta ideia original vier de um líder / médico / influencer que confiamos, melhor ainda! Não há o que duvidar! O pior é que muitas vezes, a realidade insiste em bater na nossa cara. E é difícil dar o braço a torcer... Minha avó, vacinada contra a COVID, pode pegar a doença, se safar bem dela sem nem se lembrar (ou ser lembrada) de tomar Cloroquina, que eu vou continuar achando que a vacina da COVID mata e que a Cloroquina salva vidas... Já está cravado na minha mente. Não vou mudar o que eu e minha tribo acreditamos mesmo que a realidade esteja escancarada em minha frente. A ideia já se tornou parte de mim. O resultado deste confronto é nossa crença x realidade? As pessoas se escondem, terminam amizades, param de assistir TV, xingam, alucinam e adoecem... Aqui, não tem divisão! A dissociação cognitiva chega tanto para os conservadores, quanto para os progressistas... 


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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