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11/11/2022 às 08h00min - Atualizada em 11/11/2022 às 08h00min

Escravo

WILLIAM H STUTZ
Nada nesse mundo conseguia o prender, era livre leve e solto assim escreveu Moreno e cantou Rita.

Sem amarras ou peias, mantinha sempre mala pronta. Era só bater vontade estranha que ganhava mundo. Conhecia tudo, o tudo, era o tudo dele, que bastava, completava. Subiu morro, quebrou mata no peito, passou atolado em barro de serra. Ilhado em maré alta, passou perdido em caranguejola e saveiro, tubarões. Voou. Atravessou o Atlântico. Conheceu miséria e fartura. Era totalmente livre. Era.

Dia veio, assim do nada apareceu dúvida. Encontrava-se em deserto pleno naquele momento. Não em deserto clássico, de filme; com dunas sol causticante e areias dançantes ao morno vento. Nada disso. Estava naquele instante na mais das movimentadas ruas do mundo. 

Monumental via de gente. Turba em serpentear sem fim.

Percebeu naquele segundo que estava andar por uma Babel horizontal, vidas distantes de Eufrates. Não entendia palavra sequer. Ninguém o olhava ninguém o via, ficara transparente, invisível.

Toda a sua autoconfiança e arrojo sumiram poros à fora. Suou em bicas frio de inverno glacial. Procurava inutilmente apoio na multidão que o cercava calmamente ensandecida. Queria um gentil sorriso, um olhar úmido de sinceridade daquela gente eternamente mergulhada, cada um, em seus mais estranhos pensamentos: virgens parindo lindos bebês, religiosos pecaminosos. Adúlteros, assassinos. Bailarinos, cantores, domadores de feras em circos mambembes. Arqueólogos corajosos em tumbas de faraós. Anjos, santos bajuladores, astros de rock. Palhaços, super-herói.

Parecia ouvir esta profusão de pensamentos enquanto procurava parede para se apoiar. O chão em fenda se abriu sob seus pés. Viu o céu e não viu nada.

Descobriu de súbito a falsa e efêmera liberdade que tanto alardeava. Como tantos e todos. Como todos na face desse capenga e envelhecido planeta, era escravo de si próprio.

Para tais grilhões, percebeu a duras penas, jamais haveria alforria. Correntes do mais puro e resistente material cósmico o mantinha prisioneiro, enjaulado em fina casca... Percebeu que suas andanças agora, seriam em busca de sua manumissão. Mudou o curso de sua existência. Voltou-se para dentro de si. Sensatamente rumou para o primeiro lugar a procurar liberdade perdida. Vivia seu Apocalipse pessoal.

Sobrevida
Orvalho da manhã em lírio do campo.
No campo procurando bichos, acha-se tesouros breves
basta nesga de sol para derreter tamanha beleza.
Aranha espera presa em teia por sua presa. Quem mais atado aos caprichos da vida está? A morte gerando vida. Preia prece sem ressonância, retorno, ecoar. Nula repercussão.
Tributo amargo de um existir frágil.
Perpetuação de um sob a carcaça de outro. Insano jogo sem vencedores, sem derrotados. A quântica energia da eternidade se fazendo presente a cada passo. Festa do sobreviver em chamego balançar de pura seda
Ode à vida em diminuto mundo de jardim, pouco visto, passa batido. Tropeçamos em vida como gigantes insensíveis, passamos por ela pisoteamos, pisoteados.

Cada agrado de bom grado recebo. Careço dengo e chamego cafuné. De dengue e febres outras, farto estou.

Rifa de burro
Me contaram dia desses outra vez, a história da rifa do burro morto. História antiga, já sem dono, cada um de um jeito conta. Talvez muitos a conheçam. Reconto aqui. Pode ser novidade para outros tantos.

Aconteceu, dizem, lá pelas bandas de Estrela da Barra, hoje Vila Triângulo que fica de cá do rio, em Minas. De lá está Santa Albertina. Travessia só de balsa.Tarde à toa de domingo moçada a passear sem muito o que fazer, toparam com fazendeiro arrastando burro morto para enterrar. Logo um mais chegado às espertezas de dinheiro fácil ganhar, pediu o burro dado.

O fazendeiro velhaco e desconfiado perguntou o motivo da querência.
- Rifar o bicho só isso. Fazemos cem números a vinte contos cada e corremos a rifa do burro.
- Mas o bicho tá morto moleque, você acredita que ninguém vai reclamar?
- Reclamar vai, mas só aquele que ganhar o sorteio. Ai a gente devolve o dinheiro dele e pronto. Resmunga um maldizer da pouca sorte se dá por justiçado satisfeito. E nós ainda ficamos com bons trocados para o fim de semana que vem.
E assim se fez. Mineirice.


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