Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
01/10/2022 às 08h00min - Atualizada em 01/10/2022 às 08h00min

O paradoxo pobreza-obesidade no Brasil: quanto maior um, maior o outro...

JOÃO LUCAS O'CONNELL

A obesidade é atualmente um dos problemas de saúde pública mais preocupantes do mundo. O aumento exponencial da obesidade em todos os continentes demonstra sua característica pandêmica e tem sido denominada 'globesidade' pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

 

A obesidade global triplicou desde 1975, totalizando 650 milhões de obesos em 2016, e afetando 13% da população adulta mundial. A prevalência de obesidade em adultos varia de 5,1% na Índia a 42,3% nos EUA. No Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam que a prevalência de obesidade aumentou 72% em um período de 13 anos, totalizando 20,3% da população adulta em 2019. Desde o início da pandemia e a introdução de medidas de contingência social, houve um aumento na prevalência da obesidade em alguns países. Esse aumento pode ser devido ao aumento do consumo alimentar e diminuição da atividade física.

 

Apesar do aumento da proporção de indivíduos fisicamente ativos nos últimos anos e de hábitos alimentares mais saudáveis (maior consumo regular de frutas e hortaliças e redução do consumo de refrigerantes), a prevalência de obesidade no Brasil vem crescendo a cada ano. A transição alimentar e nutricional no mundo todo (para um padrão pior) foi favorecida pelo processo de globalização e urbanização, que facilitou o acesso a alimentos não saudáveis por meio de diversas políticas de crescimento econômico. Isso levou à redução do custo dos alimentos ultraprocessados e ao crescimento de seu consumo em todas as camadas da população, inclusive naquelas de menor renda.

 

Este aumento da taxa de obesos dentro da população brasileira pode ser explicado por vários fatores. Na coluna de hoje, tentaremos rever alguns destes fatores principais, baseados em uma análise ecológica de componentes contextuais e comportamentais recém-publicada, que traz dados específicos sobre o comportamento da epidemia de obesidade no Brasil nos últimos anos. Os dados foram coletados pelo Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), principal inquérito de saúde do Brasil.

 

Estudos anteriores já haviam identificado alguns fatores que podem estar associados a essa tendência de aumento da obesidade, incluindo características sócio-demográficas, como sexo, idade, escolaridade e renda mais baixas. Uma complexa interação de fatores genéticos, metabólicos, comportamentais e ambientais pode levar a um aumento na prevalência da obesidade. Outros fatores como sedentarismo, ocasionado por condições ambientais e sociais desfavoráveis, além de comportamentos como uso de álcool e cigarro, também têm demonstrado relação com a obesidade.

 

O principal achado deste artigo foi que o crescimento da obesidade no Brasil foi explicado principalmente por fatores contextuais, principalmente os de natureza socioeconômica. O crescimento econômico, em nível nacional, tem sido associado ao aumento da prevalência da obesidade, pois favorece a ocorrência de mudanças nos sistemas alimentares e a instalação de um ambiente obesogênico para a população. Esse ambiente é majoritariamente composto por maior acesso, disponibilidade e consumo de alimentos ultraprocessados e adoção de comportamentos alimentares não saudáveis. Assim, é compreensível que as maiores taxas de crescimento da obesidade no Brasil tenham sido relatadas para estados com menor proporção de indivíduos economicamente ativos, maior proporção de indivíduos com baixa escolaridade e maior proporção de indivíduos sem renda. Tendências semelhantes também foram relatadas em países europeus. Esses achados corroboram o chamado “paradoxo da pobreza-obesidade” (ou gradiente reverso).  

 

Outros fatores associados à obesidade, identificados pelo estudo, foram: densidade demográfica, o percentual da população ocupada, PIB per capita, taxa de urbanização, percentual da população com baixa escolaridade, percentual da população ocupada (economicamente ativa) e percentual da população sem renda. Entre as variáveis comportamentais, a associação mais forte com o crescimento da obesidade, inversamente, foi a prática de atividade física.

 

Conhecer os fatores ambientais e socioeconômicos relacionados ao aumento da epidemia de obesidade é essencial! As estratégias de saúde devem buscar a equidade na prevenção e tratamento do problema da obesidade e ser adaptadas às diferentes realidades de cada região do país. As regiões que aparecem no topo do ranking de crescimento da obesidade devem receber maior atenção e receber recursos específicos para a criação de programas regionalizados de combate à obesidade. Além disso, os resultados do presente estudo destacam que os estados mais afetados pela obesidade são aqueles com menor desenvolvimento socioeconômico.  Assim, propõe-se que essas regiões e populações sejam priorizadas, com a implementação de programas que incorporem o problema da obesidade nas políticas de acesso às necessidades básicas, como educação, desenvolvimento social e aumento de renda, pois estes provavelmente serão os maiores contribuintes às altas taxas de obesidade nessas regiões.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90