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19/02/2022 às 08h00min - Atualizada em 19/02/2022 às 08h00min

Por que a COVID pode aumentar a incidência de problemas cardíacos?

JOÃO LUCAS O'CONNELL
Um grande estudo, publicado recentemente, sugeriu um aumento expressivo na incidência de doenças cardíacas e vasculares nos pacientes americanos que apresentaram COVID nos últimos dois anos. O aumento do risco chega a ser maior que 50% para a ocorrência de várias doenças, como o infarto agudo do miocárdio, o AVC, as embolias e as arritmias cardíacas. Este estudo, publicado na revista Nature (uma das mais importantes do mundo), nos deu dados objetivos que comprovam uma percepção que vinha acompanhando a comunidade científica há algum tempo. Desde o início da pandemia, cardiologistas do mundo inteiro começaram a chamar a atenção para uma íntima relação entre COVID e as doenças do coração. O vínculo se dá por vários fatores: 

Primeiro: ficou bem estabelecido que os pacientes que já são portadores de doenças cardiovasculares e que adquirem a infecção pelo novo coronavírus têm uma chance muito maior de evoluírem com gravidade do que os pacientes previamente hígidos. Assim, pacientes com antecedentes de infarto, hipertensão, angioplastias, cirurgias cardíacas deveriam se cuidar ainda mais para evitar o contato com o vírus e também deveriam ser monitorizados rigorosamente caso apresentassem sintomas de COVID. Isto era ainda mais importante se, além de cardiopatas, fossem idosos ou também portadores de obesidade, hipertensão, diabetes, doenças pulmonares, renais, hepáticas, neoplásicas ou que possuíssem deficiências imunológicas.

Segundo: uma minoria de pacientes acabava desenvolvendo uma resposta inflamatória mais exacerbada contra o vírus. Estes indivíduos, muitas vezes, desenvolviam um quadro de pneumonia viral que levava a uma resposta inflamatória sistêmica importante, secundária à infecção viral. Ficou documentado que boa parte destes pacientes (pelo menos 20%) que evoluíam com resposta inflamatória exacerbada e necessidade de internação hospitalar, também apresentavam inflamação no músculo cardíaco e dano miocárdico secundário à esta agressão inflamatória. Os pacientes portadores destas alterações, que eram detectadas através de alterações clínicas ou em exames laboratoriais (troponina, eletrocardiograma, ecocardiograma), acabam evoluindo com maior gravidade e também maior chance de óbito intra-hospitalar. Este pior prognóstico dos pacientes internados que apresentavam lesão cardíaca aguda valia tanto para pacientes previamente cardiopatas quanto para pacientes que nunca haviam apresentado problemas cardíacos anteriormente. 

Terceiro: apesar de que, para a maioria dos pacientes, a agressão inflamatória sofrida pelo coração era transitória e leve, alguns pacientes evoluíam com sequelas cardiovasculares após a fase aguda da doença. Mesmo pacientes que evoluíram inicialmente pouco sintomáticos e não precisaram de internação acabaram apresentando sintomas ou eventos cardiovasculares após as primeiras duas semanas do quadro inicial. Assim, temos detectado a presença de sequelas cardíacas em parte dos pacientes que se recuperaram da COVID, mesmo naqueles que evoluíram com quadro inicialmente leve. 

As sequelas cardíacas a médio e longo prazo são, em geral, causadas por dois mecanismos básicos: 1 - pela agressão direta do vírus ao músculo cardíaco; 2- pela agressão ao miocárdio causada pelo excesso de células e substâncias inflamatórias produzidas pelo dano miocárdio agudo (uma espécie de auto-agressão);  3- a inflamação secundária à infecção viral também pode danificar os vasos sanguíneos e aumentar a coagulabilidade sanguínea, aumentando a chance da ocorrência de tromboses e, consequentemente, vários eventos cardiovasculares graves, como o infarto agudo do miocárdio, o acidente vascular cerebral e a embolia pulmonar. Todas estas alterações e agressões ao tecido miocárdico e aos vasos sanguíneos aumentam a chance de outras sequelas crônicas como a Insuficiência Cardíaca pós COVID, a Hipertensão Arterial Pulmonar e as arritmias cardíacas benignas e malignas. Infelizmente, o risco da ocorrência de morte súbita algumas semanas após a COVID também é aumentado. Felizmente, a maioria das sequelas é leve e as sequelas cardíacas graves são raras no pós COVID. 


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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