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07/11/2020 às 09h00min - Atualizada em 07/11/2020 às 09h00min

Sem título é o título

IARA BERNARDES

Uma festa, Jurerê Internacional, a moça embriagada, drogada, enfim, não importa. Ela alega ter dito não, ele alega ela ter dito sim, algo aconteceu ali, saberemos o que cada um falou, mas não saberemos exatamente o que aconteceu. No entanto, sabemos detalhadamente o que houve na audiência, essa sim foi gravada e contra isso não há lado A e lado B, existem imagens, gravação de voz e vídeo para nos mostrar como 4 homens são capazes de se apoiar simplesmente por se calarem diante de uma humilhação tão explícita e baixa dirigida a uma mulher, que de vítima passou a ser o algoz.

Quando um homem se dirige a uma mulher, já numa posição considerada superior, por ser, primeiro: homem, numa sociedade extremamente machista; segundo: por ser mais velho, na nossa sociedade patriarcal; e terceiro: por ser advogado, uma profissão na qual a sociedade já idolatra os estudantes e os tratam como “doutores” antes mesmo de ter a formação regular para exercer a função e sem de fato, os que já têm experiência e exame da OAB, serem doutores, ou seja, não possuírem doutorado; ela, por toda a sua experiência simplesmente por estar inserida nesse contexto social, já se sente inferiorizada. Colocada numa situação em que, fragilizada por um processo judicial, ainda é humilhada com frases como: “Uma filha do teu nível, graças a Deus.”, “e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você.” Ali, enquanto o advogado de defesa disparava contra a moça, TODOS os homens da audiência se mantiveram calados, bem ao estilo do ditado “quem cala, consente.”

Como se não bastasse, Mariana Ferrer, implora: “Eu gostaria de respeito, doutor, excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma que eu estou sendo tratada, pelo amor de Deus gente!”. E o silêncio continua, nenhum daqueles 3 homens que observava saiu em defesa da moça, nem mesmo o próprio advogado responsável por fazê-lo.

Mas por que estou trazendo aquiesse episódio tão difundido ao longo da semana, já que essa coluna é sobre maternidade? Pelo simples fato que devemos ensinar nossos filhos a não serem coniventes com situações como essas. Temos que ensinar nossos filhos a não se calarem diante da injustiça, mostrar para eles que, independente da nossa posição social, seja ela considerada inferior ou superior, não podemos permitir que as vozes dos mais “fracos” sejam caladas.

Além disso, agora a solicitação vai para os pais e mães de meninos: eu lhes peço, lhes imploro que ensinem seus meninos a respeitarem as mulheres, qualquer uma, em qualquer situação, seja uma prostituta que eventualmente eles contratem, seja sua namorada, esposa, amiga, colega de trabalho, suas próprias mães e irmãs.

Percebo filhos principezinhos que as mulheres de suas famílias os protegem acima de tudo, meninos mimados, inconsequentes desde a tenra idade e eu lhes digo que, provavelmente, esses serão os futuros agressores, homens que não assumem a responsabilidade por suas atitudes, famílias que não medem esforços e dinheiro para safarem seus Peter Pans da consequência de seus atos, reforçando sempre que sua vontade lhes fazem melhor que os outros e que qualquer um que atravesse seu caminho não tem valor, voz e vez. Ensinem seus filhos a protegerem as mulheres, porque sim, elas são fisicamente mais fracas, mas não precisam e nem devem ser socialmente diminuídas.

Pais e mães de meninas, por favor, as ensinem a não se calar diante das atrocidades cometidas por quem quer que seja, mostre a elas que suas vozes têm poder e que são donas de suas vidas. Não estou dizendo que meninas devam agir como meninos, ou que devam se masculinizar para que seus direitos sejam garantidos, não é nada disso, mulheres podem e devem se manter sensíveis à sua feminilidade, afinal, isso que nos torna essencialmente o que somos, no entanto, não precisamos ser colocadas como frágeis ou inúteis, mas que quando estivermos numa situação que a proteção masculina nos é necessária, que os homens se façam presentes e nos protejam, como deve ser. Ensinem suas filhas a se defenderem, a defenderem a amiga humilhada, o amigo que sofre bullying, o mendigo que recebe uma cusparada.

Enfim, ensinem suas crianças, meninos e meninas que não precisamos invadir o universo um do outro para entender que temos papéis diferentes em muitos aspectos, mas que defender a integridade física, emocional e moral de quem quer que seja é uma obrigação de todos.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 

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