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08/08/2020 às 14h58min - Atualizada em 08/08/2020 às 14h58min

O que é ser pai?

ALEXANDRE HENRY
Amanhã se comemora o “Dia dos Pais” no Brasil. Ainda que a data tenha forte apelo comercial, o fato é que ela mexe com o sentimento de muita gente. Para muitos, que não puderam crescer com a figura paterna por perto, é um momento triste ou mesmo desprezado. Para outros, uma oportunidade de relembrar “o velho” que já se foi, aquele que completava o sentido da vida sem a gente perceber. E, claro, para os mais sortudos, é um dia de confraternização com o “paizão”.

Mas, o que é ser pai? Essa pergunta ganhou mais relevância nos últimos dias por conta da campanha publicitária promovida por uma rede de cosméticos, dedicada ao “Dia dos Pais”, com Thammy Miranda como garoto propaganda. Você deve ter visto a polêmica, certamente. Thammy é transexual, casado com Andressa Ferreira e pai do pequeno Bento. Por ter nascido “mulher”, muita gente achou totalmente inadequado utilizá-lo como figura paterna, já que ele não teria condições biológicas de gerar um filho com a esposa. Outro tanto de gente foi além: aproveitou a deixa para expor um caminhão de preconceitos contra gays, lésbicas, transgêneros e todos os que não se enquadram no conceito tradicional de macho/fêmea.

Responder a essa pergunta sobre o que é ser pai depende muito do ponto de partida. Se você está falando da capacidade de fornecer um espermatozoide para fecundar um óvulo, então quem não nasceu com órgãos reprodutores masculinos realmente não pode ser chamado de pai. O problema é que, partindo dessa premissa, a situação se complica bastante. E o homem que nasceu com problema de fertilidade e, para ter um filho, recorreu a um banco de material genético? E o homem infértil que decidiu adotar uma criança? Todos os homens incapazes de fornecer um espermatozoide saudável para fecundar um óvulo se equiparariam então ao Thammy no rótulo de incapazes de ser pai.

Por outro lado, e os milhões de homens que engravidaram mulheres e nunca assumiram as crianças que nasceram dessas relações? Ora, esses homens são capazes de fornecer espermatozoides, mas são pais? Temos também inúmeros homens que, seja por adoção de uma criança, seja porque se casaram com mulheres que já tinham filhos, assumiram um papel absolutamente ativo no desenvolvimento de uma criança, dando auxílio material, cuidado, carinho, amor e companhia. São pais ou não podem ser assim considerados pelo fato de não serem os fornecedores do espermatozoide que gerou aquele filho?

Note que é muito complicado dizer que Thammy não é pai simplesmente porque não tem gametas masculinos para gerar uma criança, pois esse ponto de partida leva a várias contradições praticamente insanáveis. Por outro lado, se você partir da premissa de que pai é aquele que assume o papel de fazer de uma criança um adulto, provendo suas necessidades físicas, intelectuais e emocionais, então não há como Thammy não ser considerado pai do pequeno Bento. “Ah, mas ele não é homem!” – você diz. Bem, se você insiste nesse argumento, então voltamos ao ponto de partida e aí cabe a você resolver as contradições que apontei. Como eu sempre digo, guio minha vida pelo ditado “Pau que bate em Xico bate em Francisco”, ou seja, pela coerência no discurso, nos atos e também pela coerência entre discurso e ação.

Resumindo a questão, se você se indignou com a campanha publicitária que usou Thammy como garoto propaganda do “Dia dos Pais”, repense a sua existência. Primeiro, porque isso não pode te incomodar. Se te incomodou, alguma coisa errada há dentro de você, alguma coisa mal resolvida. Criança precisa de amor, carinho, atenção e suporte material para crescer, independentemente de quem seja responsável por isso ou do rótulo que receba. Se uma pessoa, seja qual for seu gênero ou rótulo, assume de forma positiva o desenvolvimento de uma pessoa, simplesmente se sinta feliz por isso.

Segundo, porque é melhor você gastar sua indignação com as incontáveis crianças abandonadas por marmanjos que só estiveram presentes na hora do sexo, nada mais do que isso. Esses “homens” viris, espalhadores de espermatozoides sem o respectivo compromisso com as crianças geradas, são os verdadeiros males das famílias tradicionais ou de qualquer família saudável. Gaste seu discurso para fazê-los assumir as suas responsabilidades, para fazê-los se tornarem pais, não apenas insensíveis animais reprodutores. Quanto às demais pessoas que já cuidam de suas crianças com amor e dedicação, deixe-as em paz, pois já estão fazendo o que se espera de um ser humano decente.




Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.




 
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