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28/07/2020 às 17h29min - Atualizada em 28/07/2020 às 17h29min

No ônibus

ANA MARIA COELHO CARVALHO
"Educação, boa e velha" é o nome de um texto que li, da psicóloga Rosely Sayão.  A autora comenta que na sociedade atual os velhos perderam importância e que os pais das crianças não acreditam que os avós tenham algo a acrescentar à formação dos netos. Mas os avós insistem, porque acham que vale a pena ensinar aos netos coisas como certo e errado, falso e verdadeiro e que ter liberdade é muita responsabilidade. Rosely acrescenta que antes, os avós mimavam os netos, mas que agora não podem mais fazer isso, pois são os pais que mimam, satisfazendo todas as vontades dos filhos. Daí, muitos avós da atualidade conseguiram inovar o sentido da palavra "mimar". Para esses velhos, mimar passou a ser dedicar tempo aos netos e ter paciência com eles (penso que estou nesse grupo). A isso, eu acrescentaria que mimar também é aprender com os netos e se divertir com eles.

Como no dia em realizei o sonho da minha netinha Maíra, quando ela tinha quatro anos. O sonho dela, na época, era passear de ônibus. Assim, decidi levá-la ao Campus Umuarama, onde eu trabalhava, e fomos para a praça Tubal Vilela. Depois de esperarmos 20 min, ela entrou no ônibus animadíssima, conversando com os passageiros e de olho na janela. Ficou preocupada com uma moça de pé ao lado de um assento vazio e falou várias vezes: "- Moça, senta aí", mas a moça não se sentou. Quando chegamos ao campus, uma amiga minha, professora de répteis, levou a Maíra para conhecer o serpentário e deixou que ela passasse a mão em uma cobra inofensiva. Ela ficou fascinada. Na volta, pegamos o ônibus no ponto mais perto. Assim que a porta abriu e a Maíra subiu os degraus, parou no meio do corredor, antes da roleta, colocou as mãos em volta da boca e gritou a plenos pulmões, com seu vozeirão característico:"-Geeeente! Geeeente! Eu passei a mão na cobra!". Alguns passageiros riram, outros devem ter pensado que ela estava mentindo, outros  continuaram dormindo. Eu, meio sem jeito, tentei explicar alguma coisa. Mas logo o ônibus deu um safanão e consegui segurar a Maíra pela gola da blusa. Na sequência, no afã de pegar rápido um lugar com janela, ela entalou debaixo da roleta, tentando passar por baixo. Pegamos o ônibus errado e tivemos que parar no terminal para pegar outro, que estava lotado. Consegui um assento e a coloquei no colo, mas ela ficou indignada porque tinha uma moça sentada ao lado, na janela, e a Maíra tinha certeza de que o lugar deveria ser para ela. No dia seguinte, fomos ao bairro Guarani, na casa da minha ajudante, e para ela foi outra aventura. Voltou de cabelo lavado e escovado e de unhas pintadas. Minha ajudante tem um salão de beleza e a Maíra usufruiu de tudo. Entrou linda no ônibus, sentamos nos assentos da frente e ela contou toda a sua curta vidinha de quatro anos para o motorista, sempre com um olho nele e outro na janela. Não falou da cobra, mas ao descer falou bem alto: "-Brigaaaaado, motorista"!

Acho as crianças incríveis e por isso ainda pretendo mimar muito meus doze netos. Como escreveu Adélia Prado: "-Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande..." Ou como no texto de Rubem Alves: "São as crianças que veem as coisas -porque elas as veem sempre pela primeira vez com espanto, com assombro de que elas sejam do jeito como são. Os adultos, de tanto vê-las, já não as veem mais. As coisas -as mais maravilhosas- ficam banais. Ser adulto é ser cego."

Penso que a Maíra viu, pela janela do ônibus, muita coisa que eu não vi...




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