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04/07/2020 às 17h00min - Atualizada em 04/07/2020 às 17h00min

“Mal não vai fazer...” pode ser perigoso

JOÃO LUCAS O'OCONNELL
Muitos médicos e boa parte da população têm defendido, sistematicamente, o uso de uma série de medicamentos com suposto benefício clínico no tratamento de casos iniciais (mesmo que leves) da Covid-19. Um dos principais argumentos utilizados por quem defende o uso de medicações ainda não cientificamente aprovadas para o manejo desta infecção respiratória se traduz pela já consagrada expressão: “pode usar porque mesmo se não funcionar, mal não vai fazer...” Infelizmente, não é bem assim que acontece. O uso de medicamentos sem uma eficácia comprovada para aquela situação clínica pode colocar não só o paciente que usa a substância inadequadamente em risco, como toda uma população específica de enfermos (por determinada patologia que precisa do uso da droga) e pode até comprometer a segurança de toda a população sadia daquela região.

A popularização em massa das mídias sociais como Facebook, Instagram e Whattsapp tornou concreta e rápida a possibilidade de debate de novas ideias sobre métodos de diagnóstico, prevenção e tratamento da gripe e da pneumonia causadas pelo novo coronavírus. Rapidamente, novas propostas terapêuticas ganharam enorme força e pressão para aprovação junto aos órgãos reguladores da saúde. Por pressão política, alguns medicamentos foram até oficialmente aprovados para uso na Covid-19 sem uma comprovação científica de que fossem realmente eficazes. O argumento para a aprovação de drogas sem uma comprovada ação benéfica é, em parte, válido: “Se não temos nada para ser usado, vamos tentar esta ou aquela droga então...”; “É melhor tentar fazer alguma coisa do que não fazer nada...”; “Se não fizer bem, mal não vai fazer...”

Entretanto, na Medicina, as coisas não funcionam de maneira tão simples assim. Existem vários problemas relacionados ao uso indiscriminado de drogas sem comprovação científica de sua eficácia: 1- As medicações podem ter efeitos colaterais que podem ser mais prejudiciais do que o suposto benefício da droga;  2- Se a infecção se agravar e o indivíduo precisar ser internado, ele pode precisar fazer uso de inúmeras medicações que podem interagir de maneira desfavorável com aquela administrada anteriormente; 3- Mesmo medicações aparentemente inofensivas podem levar a reações alérgicas gravíssimas e inesperadas em alguns pacientes, sendo que algumas destas reações podem ser altamente sequelantes e até fatais; 4- O uso em massa de uma medicação em uma situação em que não se tenha comprovação científica nenhuma de benefício pode fazer com que esta se esgote no mercado e o tratamento de doenças altamente prevalentes seja prejudicado (como, por exemplo, poderia acontecer se houver falta de hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes portadores de malária, artrite reumatoide e outras doenças, ou a falta da ivermectina para o tratamento da escabiose ou verminose; 5- Um outro risco que precisa ser sempre lembrado é que o uso massificado de algumas medicações pode levar à perda da eficácia desta mesma medicação. Por exemplo: o uso maciço e simultâneo de um antibiótico por boa parte da população (como o uso maciço da azitromicina) ou mesmo de um antiparasitário (como a ivermectina ou a nitozoxamida) podem levar à mutações genéticas de vírus, bactérias e parasitas, induzindo resistências importantes à sua ação e inutilizando estas drogas utilizadas de maneira indevida. Ou seja, você estimula o uso em massa de um determinado antibiótico ou de um antiparasitário contra um determinado vírus e acaba tirando da circulação bactérias e parasitas menos agressivos, permitindo que cepas mais virulentas destes ou de outros microorganismos possam ganhar espaço para se proliferar dentro do organismo de pacientes ou mesmo no ambiente... 6- Por fim, o maior perigo de um tratamento sem comprovação de que possa funcionar está relacionado à falta segurança que isto pode trazer à população que, baseada numa falsa ideia de proteção em caso de adoecimento, pode abandonar o que já é a melhor forma de termos casos graves: as medidas de isolamento e de higiene manual e respiratória.

Portanto, antes de propor o uso indiscriminado e irracional de determinada substância ou medicamento, é preciso lembrar de todas as possibilidades de problemas relacionados à esta proposta. Dito isso, é sempre sugerido uma boa avaliação sobre os riscos e benefícios de cada um dos tratamentos miraculosos para a Covid-19 que surgem nas redes sociais. O uso de substâncias ainda não aprovadas para este fim pode ajudar a salvar vidas (se a droga se mostrar benéfica no futuro) mas pode também trazer alguns problemas que precisam ser bem ponderados. O Comitê de Enfrentamento da Covid-19 em Uberlândia publicou uma proposta bastante racional, que contempla a tentativa de se fazer alguma coisa, baseada no que pode, eventualmente, estar certo em relação ao tratamento da doença. Vamos confiar e adotar o protocolo estabelecido!



Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.



 
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