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30/05/2020 às 08h26min - Atualizada em 30/05/2020 às 08h26min

Estamos jogando a toalha

IARA BERNARDES
São no mínimo 10 aulas semanais, online para administrar, planos de exercícios, estudo acompanhado, programação escolar durante o preparo do almoço, um filho grita, o outro pede comida e o que está tentando assistir aula se irrita com tanto barulho. Eu grito da cozinha pedindo silêncio, que incoerência, eu aos berros pedindo para os meus filhos pequenos fazerem silêncio, só rindo para entender essa loucura doméstica. Entender? Acho que escrevi errado, pois nem tento mais compreender, já que o ritmo agora é viver um dia de cada vez, digo, um segundo de cada vez, pois tentar programar os dias ficou muito difícil.

Logo eu, que no começo da quarentena falava aos quatro cantos: mantenha uma rotina, faça cursos online, encha sua cabeça de conhecimento, programe-se para sair da quarentena mais informado, blá, blá, blá. Mas, juro que acreditava nesse discurso, estava super empenhada em aprender sobre finanças, bolsa de valores, mídias sociais, marketing e estratégias de approach pós-pandemia. No entanto, a rotina foi ficando pesada, a demanda estava alta demais, os cursos já não me causavam tanto entusiasmo, afinal, conciliar a roupa para lavar, louças, almoço, programação infantil dentro de casa 24 horas por dia, estava impossível. Então, a frustração chegou, bateu com força, como uma marreta acerta a bigorna ao afiar uma espada Viking e as marteladas não passavam, crises de ansiedade me acometeram, parecia me afogar no seco, sentia que ia morrer a qualquer instante. Então, resolvi optar por jogar a toalha. Foi exatamente isso, opção, decisão calculada: joguei a toalha, me permiti fracassar e fui tentar dormir até 9 da manhã.

Inquestionavelmente e por mais absurdo que pareça, essa foi a melhor decisão, pois depois de 30 dias sendo a mulher maravilha, me concedi a honra de ser humana. Recomecei, e percebi que não precisava tirar o pijama para escrever a coluna – na verdade estou usando agora e me faz muito bem o calor aconchegante e confortável que ele provoca -, olhei com mais cuidado para as professoras que têm se esforçado tanto para levar seu melhor para os alunos, me coloquei no papel de espectadora dos meus filhos e percebi o quanto os cabelos cresceram, seus pés estão ficando enormes e os dentes estão caindo com tanta rapidez que a fada do dente terá que solicitar empréstimo e auxílio emergencial.

Porém, apesar de soar um cenário lindo de observação familiar, não caia na ilusão que foi fácil, pois jogar a toalha dói, machuca o ego, como uma ferida aberta a latejar a palavra FRACASSO em cada pensamento de que deveria estar alfabetizando a filha de 6 anos e ensinando a outra a decompor um numeral, mas eu não quero fazer isso agora, não posso mais me desgastar com tarefas que nunca acabam enquanto a menina não quer ler e dá 300 birras no dia ao tentar ler a palavra “caminhão”. Sendo assim, liguei aquele botãozinho proibido e já estamos com 4 listas de tarefas em atraso e quer saber? Tudo bem, amanhã a gente faz mais um pouco.

Todavia, jogar a toalha não significa parar a vida, cruzar os braços e esperar o universo conspirar para que tudo se resolva. Ao passo que desistimos de abraçar o mundo, nos abrimos a assumir outras responsabilidades que nos parecem mais tangíveis e coerentes ao contexto individual que estamos enfrentando. Colocar todas as cartas na mesa me abriu uma infinidade de oportunidades que pude observar com calma para escolher os novos caminhos que quero trilhar.

Provavelmente estou sendo incoerente e um pouco inconsequente, não com meus filhos, mas por estar revelando isso de maneira tão escancarada depois de ter passado fórmulas perfeitas de autodesenvolvimento. Pode ser que sim, porém já não importa mais, pois esse caminho não tem volta, construir novo rumos se tornou mandatório, os exercícios, as tarefas, os trabalhos de artes, maquetes, experiências e aulas de Inglês, tudo isso vai ter que esperar.

Agora é hora de aproveitar os risos soltos, os abraços inesperados, as histórias e conversas à noite e a reconstrução de nossa própria história como indivíduo depois de estar longe de tanta gente, porém, tão perto de quem mais importa.



Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
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