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04/05/2020 às 07h52min - Atualizada em 04/05/2020 às 07h52min

Ensino à distância

A pandemia da COVID-19 provocou um verdadeiro pandemônio da educação, com o perdão do pobre trocadilho. Primeiro, as aulas foram suspensas, acarretando uma série de consequências nos lares brasileiros (e também no resto do mundo, em maior ou menor escala). Crianças carentes ficaram sem a essencial merenda escolar, pais de todas as classes se desesperaram por não ter alguém com quem deixar os filhos, fora o fato de a meninada ficar presa dentro de casa sem poder extravazar totalmente a energia. Mas, não tinha como ser de outra forma. Quem convive com crianças sabe que o contato físico entre elas é uma constante. Como o novo coronavírus tem como característica marcante, a alta transmissibilidade, dá para imaginar o quanto a sua disseminação seria mais rápida em uma sala de aula, especialmente entre os mais novos, que colocam lápis na boca e, dois segundos depois, o lápis já está em outra boca.

Depois das aulas serem suspensas, ficou um suspense no ar (olha o trocadilho pobre de novo) sobre como ficaria a educação dessa meninada. Começaram então a pipocar experimentos de “ensino à distância” (EaD), expressão que uso aqui em sentido genérico para me referir ao ensino não presencial, seja ele o remoto, como definem alguns especialistas em educação, seja ele um ensino propriamente à distância. Enfim, deixemos os academicismos de lado e foquemos no que interessa aqui: as escolas começaram a tentar alguma forma de transmitir o conteúdo por internet, já que não podiam mais contar com a sala de aula, e isso trouxe o segundo estágio do caos. Eu me lembro exatamente da primeira “aula virtual” da minha filha de seis anos. Depois de a escola mandar avisos mudando a plataforma de ensino mais de uma vez, finalmente ocorreu o encontro com várias turmas ao mesmo tempo, cinquenta alunos na mesma tela, cada um gritando e chamando a atenção ao seu modo. Eu não sei quem pensou aquilo, se é que chegou a pensar alguma coisa, só sei que não funcionou. Aí, passaram a fazer os encontros com uma turma só, mas também não deu certo. Por fim, chegaram ao formato atual: a) atividades das professoras pré-gravadas em vídeo; b) atividades escritas para os alunos fazerem em casa; c) encontros semanais em pequeninos grupos. No mais, acabaram adotando as ferramentas do Google para ensino à distância.

A minha esposa, que está fazendo um doutorado em Educação, fez uma pesquisa com 514 pais e responsáveis de crianças que estão em sistema de ensino não presencial durante esta pandemia e os resultados refletiram exatamente o meu pensamento. Não vou dar aqui os números detalhados da pesquisa, mas posso adiantar que a maioria dos pais concluiu que as crianças mais novas não estão prontas para estudar de forma não presencial, seja porque não têm capacidade de concentração, seja porque as plataformas não são adequadas ou porque professores não estão preparados para esse tipo de ensino.

Eu trabalho com educação à distância desde 2015 e, atualmente, além de estar matriculado como aluno em um curso de formação de tutores em EaD, ministro dois cursos não presenciais. Digo isso apenas para demonstrar que sou um entusiasta do assunto e um fervoroso defensor da possibilidade da pessoa poder aprender fora da sala de aula, utilizando das mais modernas ferramentas tecnológicas. Porém, a experiência pessoal durante a pandemia e a leitura da pesquisa feita pela minha esposa deixaram claro para mim que EaD é para quem já tem um bom grau de maturidade, ou seja, para jovens e adultos. Em uma faculdade, por exemplo, não vejo razão para obrigar o aluno a se deslocar até uma sala de aula para receber um conteúdo teórico. A aula presencial pode até ser uma opção, pois há quem a prefira, mas não pode ser uma imposição.

De outro lado, e aqui nossas normas legais sobre educação me parecem bem acertadas, a educação à distância deve passar longe dos primeiros anos de escola, deve ser apenas um complemento no ensino fundamental, começando a fazer parte da grade normal – e só de forma parcial – apenas no ensino médio. Pode ser que, lá no futuro, tenhamos uma situação diferente, mas isso dependerá de um avanço na tecnologia e nas plataformas de ensino à distância, bem como de uma democratização do acesso à tecnologia e, principalmente, de uma formação robusta dos professores sobre o tema. Como eu sei que essa realidade está distante de nós, a experiência com as crianças durante esta pandemia só fez reforçar minhas convicções sobre a incompatibilidade delas com o ensino à distância.


Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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