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24/03/2020 às 08h00min - Atualizada em 24/03/2020 às 08h00min

O jogo de cintura de Dom Eduardo

ANTÔNIO PEREIRA
Em 1857, Allan Kardek publicou o primeiro livro da codificação da Doutrina Espírita. No Brasil, o primeiro grupo de estudos da nova religião formou-se na Bahia, em 1865.

Por essa época, formava-se em Uberabinha uma das primeiras famílias espíritas da cidade, os Oliveira Pinto. Uma filha de Antônio Maximiano Ferreira Pinto, Amélia Cândida de Paiva Pinto, casou-se com Cirilo Antônio de Oliveira cujos filhos dedicaram-se à nova religião.

O espiritismo chegou à cidade pelas beiradas. Fazendeiros e sitiantes foram os pioneiros. Logo em seguida, começaram a surgir praticantes na cidade e, como nela é mais intenso o convívio, logo surgiram os primeiros centros. O primeiro, do qual nada restou, chamou-se Grupo Espírita Luz e Amor, fundado em 1907.

O segundo foi criado poucos anos depois. O tradicional Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade instalou-se oficialmente no dia 13 de setembro de 1913, mas o nome só foi confirmado em 1917, ou 19. Não há muita exatidão para esse fato.

Um dos primeiros espíritas da zona rural uberabinhense foi o fazendeiro José Joaquim da Silva, cujos filhos foram muito dedicados à religião. José Joaquim ia muito à fazenda de Antônio Alexandre, pai do estradeiro Fernando Vilela – outra família dedicada à crença espírita. Antônio Alexandre era estudioso da doutrina e indicava livros para o seu amigo.

No Sítio dos Poções, que era a sede da fazenda do José Joaquim, os padres que realizavam casamentos na região costumavam se hospedar. José Joaquim era pessoa de fartos bens e podia abrigar razoavelmente quem recebesse. Até bispos pousaram em sua fazenda.

Lá um dia, o padre Theóphilo hospedou-se em sua residência e, entre surpreso e assustado, viu, sobre a escrivaninha do seu hospedeiro, o livro O Evangelho Segundo o Espiritismo. José Joaquim era um homem muito liberal. A grande maioria dos casamentos feitos em sua zona, eram realizados em sua casa. Pessoa que tratava bem a todos que o procuravam.

O padre Theóphilo levou o fato ao conhecimento de Dom Eduardo Duarte da Silva, que foi o primeiro Bispo da Diocese de Uberaba. Na primeira oportunidade que teve, numa festa religiosa de roça, o padre maldosamente levou consigo o bispo para hospedar-se na casa do espírita José Joaquim. Para o seu desencanto, em cima da escrivaninha do coronel estavam apenas jornais, uma Bíblia e revistas católicas. O bispo olhou, tocou nas publicações e comentou:

- Parabéns! Aqui se fazem boas leituras!

E o coronel, lisonjeado:

- Somos religiosos, senhor Bispo.

Insatisfeito, o padre provocou o prelado:

- Dizem os espíritas que os espíritos das pessoas que morrem voltam para consolar e aconselhar os que ficaram.

Dom Eduardo tinha a mesma tolerância, delicadeza, respeito e jogo de cintura que eram as características marcantes, muito conhecidas, em nosso querido e saudoso Dom Almir Marques Ferreira. Ademais, era um momento festivo, a casa e o terreiro estavam cheios de visitantes. Dom Eduardo apenas confirmou o que disse o padre:

- Os espíritos voltam, dão bons conselhos e confortam os familiares. Já existem bons livros a respeito. Os de Camille Flamarion, por exemplo, são obras excelentes.

O padre Theóphilo ficou meio desenxabido, mas o coronel exultou interiormente.

E a festa continuou como se nenhum incidente desagradável tivesse perpassado por ela.


*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.














 
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