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20/10/2019 às 14h30min - Atualizada em 20/10/2019 às 14h30min

Medicina ultrapersonalizada

ANGELA SENA PRIULI

Quando criança, a menina norte-americana Mila Makovec parecia saudável, aprendendo a andar com 1 aninho e falando de tudo aos 18 meses. Mas quando ela cresceu, seus pais notaram alguns sinais preocupantes. Aos 3 anos, seu pé direito começou a girar para dentro e ela tinha dificuldade de falar. Aos 4 anos, ela começou a puxar os livros para mais perto do rosto ao olhá-los e, aos 5 anos, começou a tropeçar e cair para trás. Pouco antes de completar 6 anos, ela foi hospitalizada por uma rápida progressão dos sintomas, incluindo perda de visão, quedas frequentes, fala arrastada e dificuldade para engolir. Testes mostraram que o volume de seu cérebro estava encolhendo e ela estava tendo convulsões, segundo o relatório.

Testes genéticos e laboratoriais finalmente levaram ao seu diagnóstico: ela apresentava a doença de Batten, um distúrbio genético raro e fatal do sistema nervoso que pode assumir várias formas, dependendo da mutação genética específica envolvida. Mas todas as formas da doença parecem afetar estruturas dentro das células conhecidas como lisossomos, que funcionam como a "lixeira" das células. Sem os lisossomos funcionando corretamente, o material indesejado se acumula, levando à morte celular, incluindo a morte das células cerebrais e oculares. Não há cura e, no momento do diagnóstico de Mila, em 2016, não havia tratamento específico para sua condição.

Mas isso logo mudou. Uma análise detalhada do genoma de Mila revelou que ela tinha uma mutação única em um gene chamado CLN7, que é conhecido por estar associado à doença de Batten. Os autores descobriram que um pedaço extra de DNA havia se inserido no gene CLN7 e isso significava que, quando a célula tentava ler as instruções do gene para produzir uma proteína para o lisossomo, as instruções eram cortadas prematuramente, impedindo que a célula produzisse a proteína completa.

Os médicos pensaram que um tipo de tratamento genético que utiliza moléculas chamadas oligonucleotídeos antisense poderia funcionar no caso de Mila. Essas são moléculas sintéticas curtas de material genético (conhecidas como ácidos nucléicos) que se ligam às instruções genéticas defeituosas do paciente, mascarando essencialmente o erro para que a proteína completa possa ser produzida, segundo o Hospital Infantil de Boston. Depois que a equipe recebeu a aprovação da Food and Drug Administration para um teste individual, Mila iniciou o tratamento em janeiro de 2017.

Em um exemplo impressionante de medicina personalizada, os médicos foram capazes de desenvolver um tratamento genético personalizado para Mila e iniciar a terapia, que foi nomeada de Milasen, tudo dentro de um ano após a primeira consulta, de acordo com o relato de seu caso publicado no último dia 9 de outubro de 2019 no The New England Journal of Medicine. Isso é um tempo muito menor do que os anos ou mesmo décadas que normalmente levam para desenvolver novos medicamentos.

A terapia parece segura e Mila está mostrando sinais de melhora; em particular, ela está tendo menos convulsões do que antes, de 15-30 para zero convulsões em alguns dias. Mas o Milasen não reverteu a perda da visão e outros sintomas e não está claro exatamente o quanto o tratamento ajudará Mila a longo prazo ou se prolongará sua vida. Ainda assim, os médicos do Hospital Infantil de Boston disseram que o caso dela pode servir como um "modelo" para o rápido desenvolvimento de tratamentos genéticos personalizados, especialmente se tratando de doenças raras, que apesar do nome, afetam dezenas de milhares de pessoas no mundo.

Não é um lindo exemplo de como tantas pesquisas somadas na área da genética contribuíram para um avanço, que parece ser um divisor de águas no cuidado com cada pessoa desse mundão?! Saúde e ciência para nós!
 
Fontes:
https://www.livescience.com/tailored-drug-milasen-fatal-brain-disease.html
https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1813279

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.




 
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