Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
31/08/2019 às 14h00min - Atualizada em 31/08/2019 às 14h00min

Saúde Mental x Espiritualidade

ANGELA SENA PRIULI

Hoje se inicia mais um mês colorido: Setembro Amarelo, período em que as atenções da saúde são voltadas à prevenção dos transtornos mentais, especialmente a pior das consequências - o suicídio. Mas para manter nossa saúde mental, qual área da vida é necessário cuidar realmente? Aproveito a oportunidade para convidar o Dr. Rodrigo Scalia, médico psiquiatra e autor de pesquisas, incluindo seu mestrado, que envolvem a espiritualidade e saúde mental, segundo a evidências científicas. Aproveite a viagem.
 
Bruna (nome fictício) chegou no consultório preocupada. Já havia quase dois meses que tinha crises de ansiedade muito fortes, nas quais sentia o coração batendo acelerado, suava as mãos, sentia que ia desmaiar ou que poderia até morrer. Mas o que a preocupava não era só isso. Desde pequena tinha vivências religiosas com as quais já estava acostumada: referia ver luzes, aura das pessoas ou sentir inspirações espirituais. Bruna era da religião evangélica, embora suas crenças individuais abarcassem outros credos orientais e espíritas. Devido a essas crises de ansiedade, resolveu buscar a mãe biológica, com a qual nunca havia tido contato e descobriu que sua mãe era esquizofrênica! Ao descobrir isso, Bruna ficava se questionando: ‘será que também tenho esquizofrenia? Posso ficar louca? Essas visões que tenho não são alucinações causadas por uma doença?’. Bruna poderia até ser tratada de suas crises de pânico, mas se suas dúvidas e questionamentos espirituais não fossem respondidos, seu acolhimento não seria completo.

Será que Bruna e todos os que buscam atendimento deveriam ter sua espiritualidade levada em consideração durante um tratamento de saúde? Os estudos científicos mostram que sim. Aqui cito algumas razões para incluir a espiritualidade/religiosidade no cuidado de pacientes:

1- A maioria das pessoas em todo o mundo é religiosa e tem necessidades religiosas ligadas à doença – e gostaria que seus médicos soubessem delas.  No Brasil, 95% da população segue alguma religião, e 10% dos adultos frequentam mais de um credo religioso. Para 85% das pessoas a religião “é muito importante em suas vidas” e 37% delas frequentam alguma atividade religiosa toda a semana. Em um estudo brasileiro com 110 idosos em reabilitação, 87% gostariam que seus médicos abordassem sua religiosidade e espiritualidade durante os cuidados clínicos, mas apenas 8% referiram já terem sido questionados quanto à sua religiosidade ou espiritualidade. Em outro estudo brasileiro recente, 85% de 213 pacientes admitidos em um hospital psiquiátrico solicitaram assistência religiosa durante a internação.

2 - A religião influencia a forma como o paciente lida com a doença. Em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos após o atentado de 11 de Setembro, 90% responderam que se voltaram para a religião para lidar com o estresse desse evento. Com pacientes não é diferente: 90% referem que práticas religiosas os ajudam a lidar com as doenças e 40% referem que a religião é o “fator mais importante” que os ajudam a "continuar". Quase 71% das pessoas referem que as crenças religiosas influenciam suas decisões médicas. Além disso, pesquisas mostram que a religiosidade influencia a tomada das medicações, adesão às recomendações médicas e a utilização de técnicas para diminuição do estresse provocado pela doença, como prece, meditações, mantras, etc.

3 - Religiosidade está relacionada com melhor saúde e com melhora mais rápida das doenças. Há uma evidência cada vez maior dos estudos científicos de que maior religiosidade está relacionada com melhor saúde física e mental, bem-estar psicológico, satisfação com a vida, felicidade, afeto positivo e autoestima elevada e menor ideação suicida. Em geral, pacientes religiosos melhoram mais rápido de doenças e tendem a adoecer menos. O problema é que o treinamento dos profissionais de saúde para lidar com as questões religiosas e espirituais no Brasil é pouco realizado: menos de 8% das universidades de medicina fazem algum treinamento na área. Para se cuidar dessa área precisa-se tomar o cuidado de trabalhar apenas as crenças DO PACIENTE, e não do profissional de saúde.

Bruna, a paciente que procurava ajuda, não era esquizofrênica. Tinha uma excelente rede social, era gerente de uma importante empresa, não tinha mais nenhum sintoma da doença. Após ter sido acolhida em suas necessidades psíquicas e discutido seus medos e anseios espirituais, respondeu muito bem à medicação para crises de pânico e está completamente assintomática. Suas vivências espirituais continuam, mas isso não a preocupa e nunca a fez sofrer. Com uma evidência tão grande que a espiritualidade influencia no tratamento médico, chegou a hora de quebrar o silêncio quanto à uma das grandes dimensões da humanidade, e lançar mão de uma poderosa ferramenta no tratamento médico e psiquiátrico: a espiritualidade.
 
Fontes:
Envolvimento religioso e fatores sociodemográficos: resultados de um levantamento nacional no Brasil Moreira-Almeida, 2010
Religiosidade/espiritualidade na prática clínica: O que o psiquiatra pode fazer?
Tostes JSRM et al, 2013
Spirituality in Patient Care – Why, How When, and What, Harold G. Koenig, MD, 2013


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

Tags »
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90