Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
17/03/2019 às 08h00min - Atualizada em 17/03/2019 às 08h00min

Controle do tempo

ALEXANDRE HENRY | JUIZ FEDERAL E ESCRITOR
A sensação era a de que eu estava ficando louco. Sabe quando você tem um milhão de coisas para fazer, trabalha, trabalha, mas continua sentindo que não saiu do lugar? Pois, naquele dia e em muitos anteriores, eu sentia exatamente isso. A cabeça, claro, ficava pesada e só não ganhava na balança dos meus ombros, que pareciam suportar uma montanha inteira de tanto peso sobre eles.

Naquele dia, eu me lembrei de uma lição lida em algum lugar, não sei quando. Restou a mensagem e isso é o que importa. Eu parei, respirei fundo, olhei tudo o que eu tinha para fazer e decidi que eu teria uma meta até o final do meu dia de trabalho. Primeiro, eu terminaria um processo que estava me incomodando havia tempo. Custasse o que custasse, eu o terminaria. Faria uma pausa, no máximo, para uma água, mas o dia não terminaria com aquele processo na minha frente. Além disso, eu decidi que iria conferir uma das filas de minutas de decisões que a assessoria tinha preparado para mim. Havia mais de uma “fila”, se assim posso dizer, mas eu escolhi uma delas, a que entendi mais prioritária, e falei que também não faria outra coisa antes de terminá-la. Por fim, eu decidi que, à noite, depois disso tudo pronto, eu corrigiria dez sentenças dos meus alunos.

A primeira meta foi dureza. Mas, depois de 90 minutos concentrado só nela, eu percebi que a coisa estava fluindo. Até o celular, cuja mão o acessava constantemente, foi deixado mais de lado. Foi como se eu fizesse uma imersão naquele processo e, a cada passo que eu dava, ficava mais fácil acelerar a caminhada. Três horas e dezessete minutos depois, com apenas pequenas pausas breves para esticar as pernas, eu salvei o arquivo pela última vez. Foi estranho. Eu me levantei da cadeira e meus ombros pareciam estar com um terço a menos da montanha. Um terço? Nada disso: parecia que mais da metade da montanha se fora. Olhei para o processo, feliz pela certeza de que não teria que enfrentar aquela teia de argumentos complicados de novo, caminhei até a minha botija de barro, tomei um pouco de água e decidi que eu merecia meu café da tarde tradicional na padaria: um expresso e um pão com manteiga. A cabeça parecia cansada, mas menos do que antes, o que era uma contradição à lógica do meu dia, aparentemente.

Saí da padaria, voltei para o trabalho e comecei a encarar a tal fila de minutas. Como os sistemas da Justiça Federal da 1ª Região estavam com problema, cumprir a minha segunda meta se tornou um desafio ainda maior. Foram mais algumas horas, entrando na noite, até terminar tudo aquilo. Quando assinei a última minuta e vi a tela do meu computador limpa, a outra metade da montanha saiu das minhas costas. Havia tempos que eu limpava só uma parte da fila, trabalhava com outra coisa e, quando voltava, o troço parecia terreno baldio em época de chuva: o capim já estava grande de novo. Por isso, ver a tela limpinha me deu um prazer gigantesco.

Já era tarde. Saí do trabalho, fiz uma corrida de três quilômetros e duzentos metros para circular o sangue das pernas, comi alguma coisa, tomei um banho e me deitei. Ainda faltava a meta das dez sentenças para corrigir, mas decidi que aquela meta ficaria para o dia seguinte. O melhor de tudo é que não me senti culpado por isso, provavelmente por sentir que eu realmente havia tido um dia produtivo.

Olhando para aquele dia, eu acho que não trabalhei nele mais do que nos outros, mas a sensação de dever cumprido foi muito maior. Ah, a sensação de dever cumprido! Que gosto bom ela tem!

Desde então, tenho tentado mudar a minha rotina um pouco. Percebo que é preciso estabelecer metas claras para o dia e não mudar de atividade até que se tenha cumprido a meta para ela estabelecida. Não fragmentar o dia, evitando fazer um pouquinho de cada coisa sem terminar nenhuma, é uma forma de perceber o quanto você evoluiu. Se você não estabelece uma meta, você não nota o quanto produziu. É a sensação de caminhar, caminhar, mas não sair do lugar. Se você muda constantemente de atividade, sem finalizar nenhuma delas, tem a mesma sensação. Terminar uma atividade, chegar ao ponto final, dizer “acabei”, isso é gratificante demais. É preciso ter essa sensação mais vezes durante o dia e, para isso, o grande segredo é justamente estabelecer metas e se concentrar em cada uma delas, uma de cada vez, até que sejam cumpridas. Se você conseguir chegar ao final de algumas, terá tranquilidade para deixar o que não deu para ser feito para o dia seguinte, sem que isso afaste a maravilhosa sensação de dever cumprido.
Tags »
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90