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03/03/2019 às 06h30min - Atualizada em 03/03/2019 às 06h30min

Carnaval, libido e crime

ALEXANDRE HENRY | JUIZ FEDERAL E ESCRITOR
Como é carnaval, tempo de libido em alta e juízo em baixa, vamos falar um pouquinho de alguns comportamentos que podem dar muita dor de cabeça.

As leis brasileiras sobre as relações corporais entre pessoas têm evoluído muito nas últimas décadas. Antigamente, se um homem violentasse sexualmente outro homem, não seria condenado por estupro, pois a definição desse crime era “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. Hoje, isso mudou. O crime de estupro é definido como o ato de constranger “alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Notou que a palavra “mulher” foi substituída por “alguém”? Assim, se uma mulher forçar outra pessoa a ter relações com ela, com grave ameaça, poderá ser condenada por estupro. Mas, mais do que isso, mudou a definição do crime em si, que se restringia à prática de conjunção carnal, que era definida como a introdução completa ou incompleta do pênis na vagina. Se o sujeito obrigasse a mulher a manipular eroticamente seu o órgão genital, poderia responder por um crime chamado “atentado violento ao pudor”, que tinha pena bem menor do que a do estupro.

Mas, o que é ato libidinoso? Essa definição é muito importante para tempos de carnaval, em que muita gente cai na folia e esquece que o outro também tem que querer. Bom, ato libidinoso para fins de condenação criminal é tudo o que, não sendo conjunção carnal, diga respeito ao toque erótico nos órgãos genitais, ânus e seios. E beijo forçado na boca? Bem, eu não arriscaria, não só porque ninguém deve ser obrigado a fazer o que não quer, mas também porque esse é um ato que está em uma zona cinzenta, que pode ser interpretado por muitos juízes como ato libidinoso. Se a outra pessoa é forçada a beijar por meio de grave ameaça ou de violência, são grandes as chances de condenação. E se for só um beijo roubado, mas não forçado? Vai depender de alguns fatores para configurar ou não outro crime (importunação sexual), mas o melhor é simplesmente não fazer nada que a outra pessoa não diga, expressamente, que quer.

Isso tudo o que eu disse vale para quem tem ao menos 14 anos de idade e tem discernimento da realidade. Se estamos falando de uma pessoa com idade menor do que essa, ou de alguém, por exemplo, imobilizado em uma cama por conta de um problema de saúde, ou ainda com deficiência mental, o crime se chama “estupro de vulnerável” e a pena é bem maior. “Ah, mas ela queria e eu não a ameacei em momento algum” – alguém pode dizer. Não interessa. Se a pessoa se enquadra nessas condições, mesmo que ela diga a você que quer ter uma relação sexual ou praticar algum outro ato libidinoso, o único caminho que você tem é recusar. E mais: também não induza nenhuma criança ou adolescente com menos de 14 anos a satisfazer o desejo sexual de outra pessoa, sob pena de você cometer um crime. E, já que estamos falando de crianças e adolescentes, cabe dizer que pode ir para a cadeia quem praticar os atos de que estamos tratando aqui na frente delas.

Para finalizarmos, vou comentar apenas mais um crime cuja compreensão é muito importante nessa época de carnaval. Ele foi previsto em uma lei de 2018, que incluiu o art. 218-C no nosso Código Penal. Vou transcrever aqui o artigo e você compreenderá: é crime “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”. Basicamente, entre outras condutas, a lei diz que é crime filmar alguém em cena de sexo ou nudez e divulgar, a menos que haja consentimento da outra pessoa e que, claro, não seja alguém com menos de 14 anos. Se for, por exemplo, um namorado ou namorada, pior ainda, pois a pena é aumentada. Aliás, o melhor é nem filmar ou fotografar nada, mesmo com consentimento, não é verdade? Que todo o registro fique na cabeça e no coração – isso é o que basta.

Para terminar, eu digo que não, o mundo não ficou mais sem graça, já que não existe graça maior nessa área da libido do que a outra pessoa ter, por você, tão ou mais desejo do que você tem por ela. Como tentar conquistar alguém continua permitido, o mundo continua tendo muita graça.
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