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19/02/2019 às 08h21min - Atualizada em 19/02/2019 às 08h21min

A um amigo que se foi

ANA MARIA COELHO CARVALHO
Em 2019, o Dia do Amigo será comemorado neste 19 de fevereiro. Ao saber disso, senti saudades do meu amigo Anselmo, companheiro de muitos anos nos meus tempos de UFU. Ele fez história na universidade. Ingressou como técnico no curso de Biologia em 1980. Era uma figura ímpar: de bermudas quadriculadas e escandalosas, tênis e meia, barrigudo, jaleco branco de mangas compridas, contrastando com a pele muito negra. Sempre soltando risadas pelos corredores. Uma risada gostosa, forte, que deixava ver os dentes muito brancos e bonitos. Era a sua marca registrada.

Gostava de festas, de confraternizações, de comer e de beber. Cozinhava bem e fazia uma macarronada como nenhum outro. Também gostava muito de tirar fotos: abraçado aos alunos, nas aulas práticas, nos cursos de campo, taxidermizando animais. A sua salinha, que sempre estava mudando de lugar, era abarrotada de fotos e de animais taxidermizados. Corujas e morcegos dependurados, borboletas pregadas nas paredes, aranhas em terrarios, macacos empoleirados. Havia também inúmeras placas de homenagens que recebia dos alunos nas solenidades de formatura, pois era muito querido por eles. Mudava de sala e levava tudo.

O Anselmo tinha defeitos, como todos nós. Às vezes, esquecia de preparar minhas aulas práticas de zoologia; devia estar por aí, rindo pelos corredores. Num curso de Biologia Marinha, em Ubatuba, preparando uma prática de fecundação de ouriço-do-mar, se enrascou e acabou pipetando e engolindo os espermatozoides e os óvulos. Dizem que, a partir daí, ficou mais barrigudo...

Era prestativo e gostava de ajudar. Emprestava o material que podia e o que não podia para as escolas, nas Feiras de Ciências. No Natal, mesmo quando tinha dívidas (o que era comum), comprava Papai Noel, bolas coloridas e enfeitava as portas das salas dos professores. Construía belas grutas de papelão dourado e colocava o Menino Jesus por todo lado. Festejava o seu aniversário no dia 26 de dezembro, para “juntar” com o Natal, mas ele era do dia 7 de janeiro. Participou do coral da UFU e soltava o vozeirão para agradar as pessoas. Também gostava de carnaval, fazia parte da escola Garotos do Samba. Não sambava na avenida, era tímido para isto, mas ajudava na organização. Como gostava de festas (e eu também), sempre o encontrava nas festas da Nossa Senhora do Rosário (Congado). Ficávamos lá na praça, fotografando as mulheres rodopiando em saias bordadas, os homens com chocalhos nas pernas, as meninas de cabelos trançados e fitas coloridas.

Como técnico em taxidermia, ministrava cursos nas semanas científicas. No primeiro dia, já combinava a festa de encerramento e o amigo invisível. Gostava de taxidermizar os animais em posições típicas: serpentes enroladas nos troncos, bicho-preguiça dependurado no galho, mico-estrela agarrado ao tronco. Uma vez, levei um papagaio, a Rosa, para ele taxidermizar. Ficou perfeita, parecendo viva. Como eu tinha também o macho, o Cravo, trouxe a Rosa para casa para observar a reação do Cravo, que nem se incomodou com a Rosa durinha, colada num galho, mas a minha mãe pensou que ela estava viva, colocou um pedaço de melancia para ela e ficou preocupada porque a Rosa não comeu! O Anselmo trabalhava bem mesmo.

Ele faleceu no dia 8 de março de 2007, aos 49 anos, devido a complicações após um transplante de fígado. No velório, ao vê-lo ali deitado, com o rosto e as mãos negras emolduradas por flores brancas, pensei que ele viveu a vida de modo que, ao morrer, todos choravam e só ele sorria. Deixou saudades eternas. A vida ficou mais triste sem suas risadas.
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