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26/11/2018 às 08h00min - Atualizada em 26/11/2018 às 08h00min

Preparo

WILLIAM H STUTZ
Parece coisa de fim de ano. Deu novembro já pelo meio. Por força de um celular a buscar remendo, me vi perdido no templo máximo do gastar sem vontade, um shopping. Quem já teve na infância curiosidade de ver como funciona um formigueiro por dentro, sabe bem o que quero mostrar. Pois, criança curiosa, pai me levou certa feita ao maravilhoso Centro de Amostras que, como as imponentes árvores da Avenida Afonso Pena, foi ao chão. Lá vi o tal. Corredores em idas e vindas, ninheiras, roça de fungo, aposentos de rainha. Em encanto colei nariz no vidro e por nada queria me ir. Hipnose. Arrastado sem sentir, pensei comigo que um dia iria fazer um. Anos e cicatrizes de todas as formas, corpo e alma criando calos. Coração sempre pronto, o tempo se fez vento e junto me carregou. Um dia fiz o meu formigueiro. Como a criança que nunca me largou e muito ensinou saí a caçar tanajura.  Criei caminhos, ninhos em potes, tratei-as com pétalas de rosa, suculentas e rubras Acalifas, folhas de amargoseira, Contas-de-Santa-Bárbara, assim por cá nomeadas. Além de muita reza, vó nos fazia em noite de tempestade recitar:
 
"Santa Bárbara, que sois mais forte que as torres das fortalezas e a violência dos furacões, fazei que os raios não me atinjam, os trovões não me assustem e o troar dos canhões não me abalem a coragem e a bravura (...)"
 
Nunca medo de tempestade tive, trovão sempre me pôs dormir em estranha paz. A chuva, uma deliciosa cadência a acalmar loucos e feridos na alma.
 
Pois assim fiz meu formigueiro. Um dia depois de longa travessia, encontrei-o em imobilidade de morte. Alguém de coração negro e vestido com manta de inveja o envenenou. Perdi gosto, desisti das gentes, me recolhi em copas.
 
Assim me vi dentro de imenso formigueiro de gente. Cheiros e cores passavam em raso vôo por todos os lados. Esbarrões e olhares. Gente produzida, eu de sandália Franciscana. Gente com elegantes cortes, eu sertanejando jeans surrado/camiseta antiga, e se vi, até buraco tinha. Uns a buscar reparo, eu o invisível.
Furdunço me agoniando. Gosto de feira, festa de rua e praças. Ali um estranho em fervedouro alheio.
Ligado no modo automático segui sem muita atenção.
Mas como não perceber o súbito nascer de árvores gigantes de plástico sem vida, a produzir frutos de vidro e cipós de luzes num piscar ritmado? Nas vitrines risonhos papais-noéis de vazio olhar. Alguns me abanaram a mão, cismei.
 
Começou novembro e com ele as armadilhas do gastar. Não sou apegado à religião, pois como Riobaldo de  Rosa, o Guimarães e seu perfeito Grande sertão: veredas,  tomei por minha verdade:
 
" O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma… Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; (...). Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável. (…)”
 
Festeja-se o nascimento de Jesus, mas conta-se que ao chegar a um templo em Jerusalém deu com um enorme shopping a céu aberto.
Em fúrias soltou bois, cabras e pombas, detonou barracas, espalhou moedas pelo chão:
 
 — "Tirem tudo isso daqui! A casa do meu Pai não é lugar pra ficar comprando e vendendo coisas!"
Não foram exatas palavras mas algo assim. E o que vemos hoje? O aniversário Dele insano comercio.
 
Mas não é por razão esta que fico sempre triste nessa época. A solidão aperta, saudade de nem sei mais o quê. A hipocrisia anda solta.
 
 
"(...) Ah, eu sei que não é possível. Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias… (...)"
 
Aliquis ora pro nobis nóbis.
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