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22/11/2018 às 09h26min - Atualizada em 22/11/2018 às 09h26min

Luzes da ribalta

IVONE GOMES DE ASSIS
Viver é como as “luzes da ribalta”. Acendem-se. Iluminam. Propiciam emoções. Depois, apagam-se. Do denso silêncio, movido a expectativas, ao brilho ofertado pelas ribaltas, há um espaço de tempo, inundado pelo som e pelo mistério do que está por vir. Poderá ser desespero, angústia... ou aconchego, alegrias... não se sabe. É fato, que, sobrevivendo, uma hora o show se acaba e a ribalta, sob os aplausos – ou sob os olhares circunspectos – se apagará, mais lenta ou rapidamente.

Outra vez o silêncio tomará conta do espetáculo, até que tudo se finde. Ouvindo “Jura secreta”, de Sueli Costa e Abel Silva, “Só uma palavra me devora, aquela que meu coração não diz”, fiquei a meditar em “As formas do silêncio...”, de Eni Puccinelli Orlandi, que diz: a censura, “Pensada através da noção de silêncio [...], se alarga para compreender qualquer processo de silenciamento que limite o sujeito no percurso de sentidos. Mas mostra [...] a força corrosiva do silêncio que faz significar em outros lugares o que não "vinga" em um lugar determinado. O sentido não pára; ele muda de caminho”. // Silêncio [...] que indica que o sentido pode sempre ser outro, ou ainda que aquilo que é mais importante nunca se diz [...] (2007, p. 13).
Não resta dúvidas de que o silêncio que invade as palavras são os sentidos a se manter em segredo. De tão cheio de significação, chega a transbordar. O seu alcance vai depender da sensibilidade que há no receptor. Nesse sentido, a própria Orlandi escreve: “O silêncio não está disponível à visibilidade, não é diretamente observável [...]. Só é possível vislumbrá-Io de modo fugaz. Ele escorre por entre a trama das falas (2007, p. 32).

Entre ausências e significados, nesta semana, o silêncio veio bater à porta, avisando que uma estrela querida terminara seu show. De mãe Italiana e de pai baiano, Maria Constança da Rocha, aos 5 anos de idade, fez com que as luzes fossem se abrindo devagarinho, por meio da observação, enquanto o pai, o maestro Inocêncio Rocha, ensinava a lição a uma aluna. E com seu esforço, talento e ouvido absoluto, a menina formou uma imagem auditiva interna dos tons musicais. Assim, ela, que, ao se sentar, nem tocava o chão com os pés, tão pequena fosse, fez seu primeiro espetáculo.

Foi então que a pausa do silêncio se abriu. Logo a ribalta se acendeu por completa. Era o início do show da vida de Nininha, a criança que tocou para o Presidente Getúlio Vargas. De apresentações, estudos, convites e conquistas... a pianista foi crescendo e levando sua música ao mundo. A Europa, encantada, assistiu-a tocando descalça.

Aquele prodígio musical cresceu, e junto às notas tocadas, acoplou a composição e a poesia. Tornou-se professora, radialista, musicista, mãe... e autora de vários livros, dentre eles: "pés no chão" (1981), o primeiro; e "Não sou uma revelação: ando descalço com os pés no chão" (2004), o último.
Todos queriam estar ao lado de Nininha. Ela voltou para Casa. Dona de si, viveu em seu silêncio. Convites, títulos, homenagens..., até ser protagonista do documentário “Condessa dos pés descalços”. Mas, entre quietude e inquietude, Nininha vivia seu silêncio, confesso somente ao espelho. Ela dizia: “Você não mente com o sorriso, o olhar e nem as mãos”.

Em entrevista, Nininha questionou: Será que vou pra Júpiter, sem realizar meu sonho? Queria gravar o Hino de Uberlândia, ela, com “seu amante negro”, e a banda de Uberlândia, igual fizeram em 14/08/2015, no Teatro. É, a vida não para. Neste chuvoso domingo de 18/11/2018, a pianista foi convidada a tocar em Júpiter.

Eu havia lido, em rede social: “A Sra Nininha não está bem de saúde, encontra-se internada na UAI Tibery, em Udia, triste que não vai um conhecido visitá-la...”

No mês passado, encontramo-nos, casualmente, na Rádio. Sempre reservada e amorosa, seu olhar queria dizer mais, mas silenciou-se. Lembrei-me de Cazuza e Roberto Frejat, “De repente a gente vê que perdeu / Ou está perdendo alguma coisa [...] / Que vai ficando no caminho...
Certeau, ensina: “O cotidiano [...] nos pressiona dia após dia, nos oprime [...]. É uma história a meio caminho de nós, quase em retirada [...] (1996, p. 31).

O silêncio se ressignificou. Parecia estar ouvindo Nininha tocar: “Vidas que se acabam a sorrir / Luzes que se apagam, nada mais / É sonhar em vão, tentar os outros iludir / Se o que se foi pra nós / Não voltará jamais. // Para que chorar o que passou / Lamentar perdidas ilusões? [...]”. ...Viver é como as “luzes da ribalta”.
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