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23/10/2018 às 09h25min - Atualizada em 23/10/2018 às 09h25min

Lições de vida

ANA COELHO CARVALHO | BIÓLOGA
Dizem que toda pessoa precisa ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Para escrever um livro, uma ideia interessante é valorizar as pessoas idosas, escutar suas histórias e colocar no papel. Por exemplo, na África, de acordo com um documentário que assisti, quando um idoso morre, as pessoas sentem como se uma grande biblioteca tivesse se incendiado e lamentam toda a cultura que se extinguiu.

Realmente, todos têm muito a ensinar com suas lições de vida. Como a minha mãe, Maria Minelvira. Escrevi um pequeno livro com sua história. A lição de vida que ela deixou foi de ser feliz com o que se tem. Há pessoas que, teoricamente, têm tudo para ser feliz e não o são. Passam a vida procurando pela felicidade e se perdem nessa busca. Minha mãe não, ela foi uma pessoa feliz, coisa rara hoje em dia. Quando ela completou 80 anos, sentei-me com ela e passei a anotar sua história. Ela contou de sua infância e juventude em Pains, pequena cidade de Minas; falou de como fazia farinha de mandioca, polvilho, quitanda no forno de lenha, comida para os camaradas; como remendava roupas e fazia colcha de retalhos. Das idas à cidade no carro de boi. Dos poucos estudos que teve, no colégio interno. Do casamento aos 17 anos e da viuvez aos 21, quando o marido morreu de febre amarela, deixando-a com um filho pequeno e grávida de outro.

Contou como aos 33 anos casou-se com um médico de Campos Altos (meu pai), que se apaixonou por uma foto dela e foi de trem de ferro e a cavalo conhecê-la na fazenda. Em seis meses estavam casados. Minha mãe era mesmo muito bonita. Um dia, uma pessoa que a conheceu, ao saber que eu era sua filha, olhou-me de alto a baixo e disse, sem dó nem piedade: “você não chega nem aos pés dela”. Até hoje não me recuperei do choque.

Mas, voltando ao livro, ele se chamou “Minelvira: uma vida em três capítulos”. O primeiro capítulo foi sobre a vida na fazenda e o primeiro casamento; o segundo, sobre a vida em Campos Altos e o terceiro, um depoimento dela sobre sua vida. Disse coisas como: “sou uma pessoa que gosta muito de viver. Tenho uma vida boa, sou feliz e realizada. Tenho muita saúde, nunca fiquei de cama”. “Às vezes, quando estou sentada na minha cadeira de balanço, eu me belisco e me pergunto: será que sou eu mesma que já passei por tudo isto?”. “Gosto muito de viajar, mas quando chego em casa, até abraço e beijo as portas e paredes, nada como ter o meu cantinho”. “As coisas mais bonitas que vi foram as Cataratas do Iguaçu, a Pousada do Rio Quente, a Festa da Uva e o encontro das águas dos rios Solimões e Negro”. O livro foi ilustrado com fotos, para ficar mais interessante, e ela o distribuiu, com autógrafos, no dia de seu aniversário de 80 anos. Foi emocionante.

Quando ela faleceu, minha filha escreveu-me que ia sentir muita falta dela, do seu abraço gostoso e macio, dos pães de queijo e pastéis que ela fazia, de sentar na sua cadeira de balanço, de comer naquelas louças tão antigas e tão cheias de histórias. Mas que se consolava ao lembrar que a avó disse a ela que não tinha nada na vida que gostaria de ter feito e que não fez. E também que não mudaria nada em sua vida, mesmo com todas as dificuldades que passou.

Ela foi uma pessoa feliz. Hoje, é muito melhor sorrir por ela ter vivido do que chorar por ela ter morrido.
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