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28/08/2018 às 08h01min - Atualizada em 28/08/2018 às 08h01min

Terapias alternativas, SUS e Judiciário

ALCINO EDUARDO BONELLA | PROFESSOR DE FILOSOFIA E BIOÉTICA DA UFU
 
“Em março de 2018, o Ministério da Saúde brasileiro anunciou dez novos procedimentos de saúde, chamados de complementares e integrativos. Serão oferecidos pelo SUS. Para algumas pessoas, a oferta e uso são justificados porque já se comprovou seus benefícios aos pacientes. Mas uma olhada em fontes científicas mostra que, de fato, esses tratamentos ainda não estão avalizados como eficazes pela pesquisa, nem aceitos pela medicina”
 
Para realizarmos ou apoiarmos ações ou intervenções que visam beneficiar outras pessoas devemos tentar confirmar, antes de tudo, se funcionam, ou seja, se são eficazes. Mas isso não é tudo, mesmo se funcionem, devemos tentar averiguar quais dentre várias opções são as mais custo-efetivas, comparativamente. Sem isso, deixamos de beneficiar mais pessoas, desperdiçando recursos e tempo.

Isso vale mais ainda para governos, políticas públicas e instituições estatais, com função explícita ou implícita de beneficiar a população, com recursos recolhidos de sociedade civil, via impostos. Especialmente pela saúde pública e nas políticas de saúde, mas também, por que não, de instituições do Estado, como o Judiciário.

Se um tratamento ou intervenção não funciona para salvar uma vida ou para acrescentar anos de vida; ou funciona, mas pouco (por exemplo, coloca em UTI prioritariamente pessoas mais idosas já em fase terminal) quando comparados com outros, que poupam mais vidas ou acrescentam mais anos de vida (por exemplo, coloca em UTI prioritariamente pessoas mais jovens com ferimentos graves mas alta probabilidade de recuperação), então, comprometidos com beneficiar o maior número e usar melhor os recursos, deveríamos priorizar o segundo tipo de tratamento ou intervenção.

Em março de 2018, o Ministério da Saúde brasileiro anunciou dez novos procedimentos de saúde, chamados de complementares e integrativos. Serão oferecidos pelo SUS. Para algumas pessoas, a oferta e uso são justificados porque já se comprovou seus benefícios aos pacientes. Mas uma olhada em fontes científicas mostra que, de fato, esses tratamentos ainda não estão avalizados como eficazes pela pesquisa, nem aceitos pela medicina. Não há ainda boas publicações (nacionais e internacionais) achadas em fontes como Cochrane, PubMed, Science-Based Medicine, por exemplo.

Não há referências científicas sobre bioenergética nem sobre constelação familiar (recentemente citada em reportagem deste jornal sobre sua inserção no judiciário). Sobre cromoterapia, uma revisão encontrou que o uso de cores não é eficaz. Duas revisões sobre a ozonioterapia sugeriram que a metodologia usada foi confusa e informações insuficientes. Para florais, estudos clínicos ​​não apresentaram diferenças entre eles e placebos. A imposição das mãos, pior que sorteio.

A conclusão é que não há evidências científicas para dizer que há benefícios nestes tratamentos e intervenções. Mesmo se fossem eficazes, ainda teríamos de ter estudos de comparação de seu custo-efetividade com outras terapias. Sermos responsáveis sobre isso consiste em levar a sério a ciência disponível e pensarmos seriamente nas alternativas já presentes ou em estudo.
 

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