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19/03/2018 às 08h01min - Atualizada em 19/03/2018 às 08h01min

Bilá Salazar Drumond

MARIÙ CERCHI BORGES | LEITORA DO DIÁRIO

Aos poucos, discretamente e bem devagarinho, Bilá começou a se despedir da vida. Certamente, ela não queria assustar a ninguém e, certamente, suponho, não queria que os filhos, os irmãos, os sobrinhos, os netos e os amigos se preocupassem com ela; era bem assim o seu discreto jeito de ser. Tal era a discrição, que a gente nem percebia que ela estava se despedindo: arrumava-se para as reuniões, festinhas, viagens, visitas com classe e elegância, e, assim, sua presença se tornava marcante. Sorridente, discreta, alegre, educada, graciosa, comunicativa e culta, sua companhia era sempre prazerosa. Era um enorme prazer estar em sua companhia. Nada de reclamações e nem de tristeza. Se as tristezas existiam, e, é certo que existiram, ficavam entre ela e suas noites de silêncio. A tipoia, que passou a usar como apoio para o braço (que doía bastante), era usada combinando com a roupa que estava vestindo: Um luxo!

Mas ela estava se despedindo! Tal despedida transitava por sua vida talvez até com uma certa indiferença- era como se ela desafiasse, com uma força incrível, a cada dia, as surpresas que o seu estado de saúde vinha denunciando:  sempre, uma nova surpresa! Um dia, era a mão que ameaça tirar-lhe os movimentos, outro dia, era o braço que pesava demais sobre o ombro, outro dia, eram as pernas que começavam a falsear, mas, nada disso tirava dela a alegria de viver. Houve um dia, no entanto, que lhe apareceu, sem mais nem menos, uma paralisia facial dificultando-lhe a fala, a alimentação e o próprio sorriso, mas nem por isso, ela deixou de cantar. Então, como costumava fazer, pediu à filha que tirasse do armário o seu caderninho de cantos e poesias- cuidadosamente manuscritos- onde estavam registrados, com uma admirável caligrafia, letras de tangos, boleros e poesias em português, francês, italiano, espanhol e, ali mesmo, formamos, ela e eu, uma dupla e começamos a cantar.

Essa querida amiga teve uma brilhante carreira: diplomou-se, depois de adulta, em Letras, na antiga Faculdade de Filosofia de Uberlândia. Lecionou vários anos como alfabetizadora nas diversas escolas públicas por onde passou. Muito responsável, não arredava os pés quando era o “outro” que dela precisava. Como educadora, abriu as portas da leitura e do conhecimento para centenas de crianças que por ela passaram. Somou pontos na difusão da cultura nos diversos postos que ocupou na administração pública de Uberlândia. Escreveu poesias, contos, crônicas e alguns livros. Nunca buscou o foco para si mesma, pois o seu foco era o “outro”, a educação do “outro”, preparando-o para a entrada no competitivo mundo que o esperava; sua presença ficava escondida no “outro”.

Ultimamente, participava de um grupo do Jogral “Qualquer Lua”, que se apresentava na Rádio Universitária no programa: “A Poesia Nas Asas do Tempo”, sob a direção de Márcio Alvarenga.

Bilá deixou saudade. Deixou lembranças. Deixou parte de sua alegria gravada no coração das pessoas que a conheceram. Lembrá-la será sempre a confirmação de que tive uma grande amiga.
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