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04/12/2017 às 16h45min - Atualizada em 04/12/2017 às 16h45min

O pensamento político de Lutero

ADRIANO ZAGO* | LEITOR DO DIÁRIO

Comemorou-se em quase todos os países do mundo, no mês de outubro, os 500 anos da Reforma Protestante. Milhares de eventos, palestras, seminários e cultos abordaram o assunto com ênfase na religiosidade oriunda na pregação das 95 teses e no caráter transformador das propostas do monge agostiniano Martinho Lutero.

Os cinco pilares, chamados Solas, definidos como: Sola Scriptura - somente a Escritura; Sola Fide - somente a fé; Sola Gratia - somente a graça; Solus Christus - somente Cristo; Soli Deo Gloria - glória somente a Deus, revolucionaram os dogmas professados pela Igreja Romana, redimensionando um novo olhar sobre a condução espiritual de milhares de pessoas mundo afora.

A despeito das profundas modificações havidas desde 1517 que provocaram cisões imensas na interpretação teológica da Bíblia, os escritos políticos de Lutero ainda são desconhecidos. O historiador e cientista político Quentin Skinner tem se debruçado sobre esses textos e os analisado à luz da tensão criada entre o poder papal e o secular.

Em seu livro “As Fundações do Pensamento Político Moderno”, Skinner destaca dois textos de Lutero essenciais para a compreensão do seu pensamento político e a sua indissociação com a religião: “Manifesto à Nobreza Cristã da Nação Alemã”, de 1520, e “Da Autoridade Secular”. Neles fica claro a existência de dois “reinos”, o religioso e o estatal. As premissas teológicas de Lutero o levaram ao entendimento de que os dois reinos, o Estado, representado pelo poder civil, e o da Igreja, assentado no Evangelho, eram criação de Deus. Desta feita, o princípe (o governante) “deve ater-se somente a Deus, orar com insitência por entendimento reto para governar os seus súditos com sabedoria”, mas também “protegê-los e conservá-los em paz e abundância”, e “tomar para si as necessidades dos súditos, lidando com elas como se fossem suas próprias necessidades”.

Para Lutero, os governantes devem basear as suas ações nas obras do amor cristão à semelhança do que Cristo fez com os seus filhos, nos remete à ideia da política como promoção do bem-estar da sociedade. Por isso, em um primeiro momento, ele reafirma a completa submissão dos cristãos ao poder civil já que este emana de Deus, para, em seguida, escrever sobre os limites da obediência e da desobediência civil. Esta mudança se deu em relação à perseguição maciça ao luteranismo pelos príncipes católicos.

No texto “Da Autoridade Secular”, Lutero faz uma severa crítica aos governantes da época: “Príncipe sábio é ave rara, e mais raro ainda um príncipe honesto. Em geral são os maiores tolos e os piores patifes da terra; por isso sempre tem que se esperar deles o pior e pouca coisa boa…”. Diante desta constatação, Lutero reafirma as qualidades que deve ter um governante. A sabedoria é o atributo máximo para bem governar, para tanto, deve, o príncipe, estar em constante oração. Em relação aos governados, deve agir com amor e serviço cristão; em relação aos seus conselheiros deve manter-se livre nas decisões e independente no discernimento e, em relação aos infratores deve mostrar seriedade e rigor moderado. Enfatiza ainda que o governante deve castigar os maus, pois “por causa de uma cabeça expõe o país e o povo ao perigo e o enche de viúvas e órfãos”.

O monge agostianiano desenvolve uma ética política objetivando o “servir ao povo”, lutar para que este viva em paz, garantindo-lhe condições dignas de existência. Tudo o que passa disso corrompe o sentido da política como res publica.

Qualquer semelhança com a atual política brasileira é mera coincidência. Sola indignatio!

(*) Advogado e vereador

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