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09/08/2020 às 09h00min - Atualizada em 09/08/2020 às 09h00min

Homens trans superam preconceito e se tornam referência de paternidade

Pais falam ao Diário de Uberlândia sobre o quanto a relação com os filhos ajudou a lidar com traumas e a discriminação

BRUNA MERLIN
Enzo Rodrigues foi vítima de estupro antes do procedimento de transexualidade e engravidou do pequeno André Neto | Foto: Arquivo Pessoal

Quebrando o preconceito e os paradigmas impostos pela sociedade, homens transexuais celebram o Dia dos Pais comemorado neste domingo (9). “Somos capazes de educar e dar amor assim como todos os outros homens e, muitas vezes, mais do que alguns que abandonam e disseminam o machismo e a homofobia”, disse Enzo Rodrigues Prado, de 25 anos.

Enzo mora em Uberlândia há quase 20 anos e foi atribuído com o sexo feminino ao nascer, mas com o passar do tempo, começou a se identificar com o gênero masculino. Aos 17 anos, o jovem decidiu que queria realizar o processo da transexualidade através de medicamentos de reposição hormonal.

“Nada foi fácil. Não tive o apoio da minha mãe, que me expulsou de casa e devido a isso me adaptei sozinho, trabalhando e construindo uma vida sozinho. Conheci pessoas e amigos que me ajudaram a entender a transexualidade e foi uma luz no fim do túnel para aqueles sentimentos que eu não conseguia entender desde pequeno”, destacou.

Prestes a iniciar o tratamento hormonal, Enzo passou por um momento ainda mais difícil e devastador em sua vida. Ele sofreu um estupro e acabou engravidando do pequeno André Neto, de 6 anos. “Foi um momento aterrorizante. Eu que nem me reconhecia no meu corpo estava gerando outra vida nele. Foi muito difícil passar por isso”, complementou.

Alguns amigos, colegas e outros familiares de Enzo também o negaram como homem trans. Mas, o preconceito não foi um empecilho para que o jovem começasse a reposição hormonal após o nascimento do filho. Ele recebeu o apoio e auxílio do pai e fez todo o tratamento.

Atualmente, Enzo vive com o filho e, apesar de todo o sofrimento e incertezas que vivenciou no passado, reconhecer ser abençoado pela vida que tem hoje. Para o presente e futuro, o vendedor espera dar uma vida melhor ao filho e o educar fora dos preconceitos que atinge a comunidade LBGTQI+.

“Nunca pensei que teria a aceitação do meu pai e foi isso o que me manteve de cabeça erguida. Todos somos iguais e repito, pai é quem apoia e cuida, e com certeza quero dar uma vida melhor ao meu filho”, finalizou ele.
 
AMOR QUE QUEBRA BARREIRAS
O Luiz Margarida da Costa Sudário, de 28 anos, é o caçula de três filhos e nasceu em Teresina, no estado de Piauí. Segundo ele, a família sempre percebeu que ele era “diferente” e que demonstrava mais interesse pelas coisas de menino, mesmo tendo nascido atribuído ao gênero feminino.

“Quando descobri sobre a transexualidade eu comecei a entender que era isso que sou, um homem transexual. Depois disso, comecei o processo de reposição hormonal e recebi o apoio de toda a família. Hoje, eu me conheço e não poderia estar mais feliz”, contou.

Há cerca de três anos, Luiz se mudou para a cidade de Uberlândia por motivos profissionais e foi no município mineiro que ele decidiu construir raízes com a esposa, a filha de 11 anos e a enteada de 15. O jovem assumiu a paternidade de Emanuele, que ainda estava sendo gerada no ventre de sua companheira quando se conheceram, e também cuida da Eduarda, que é filha de outro pai.

Luiz relata que, no começo do relacionamento, a família da esposa se demonstrou relutante. “Além de ser trans, eu sou negro. Toda a família dela carregava uma herança preconceituosa em relação aquilo que foge dos padrões, mas com o tempo foram aceitando nossas escolhas”, disse.

Com o passar do tempo, o piauiense conquistou a confiança dos familiares da esposa e demostrou, por meio do amor incondicional que nutria pela família, o quanto poderia ser uma ótima referência paterna às meninas. Contou ainda que a sogra chegou a reconhecer que ele era um pai bem melhor ao que os biológicos poderiam ser.

“O meu amor pelas meninas fez as barreiras serem quebradas. Pai não é só aquele que participa de reprodução. Ser pai vai muito além disso e com certeza nós, homens trans, conseguimos desempenhar um papel necessário para a educação e cuidados dos filhos”, ressaltou ele.


Luiz da Costa quebrou barreira do preconceito da família da esposa após demonstrar amor e
cuidados com as filhas dela
 | Foto: Arquivo pessoal


CASO THAMMY
Nos últimos dias, as redes sociais foram invadidas por comentários e depoimentos negativos sobre a parceria que a empresa Natura fez com o ator transexual, Thammy Miranda, para representar a campanha de Dia dos Pais da revista de cosméticos. Publicações com frases ofensivas e preconceituosas dizendo que ele não era um homem foram registradas em todo o país.

Em conversa com o Diário, Luiz e Enzo defenderam que a sociedade brasileira ainda precisa evoluir muito em relação àquilo que é considerado “diferente”. Para eles, a imposição da “família tradicional brasileira”, composta por um homem e uma mulher, prova o quanto o ser humano cultiva a discriminação e mantém a mente fechada para as diversas formas de amor.

“Cheguei a ler alguns comentários sobre essa situação e fiquei muito magoado em ver o quanto as pessoas gostam de discriminar aquilo que não escolhemos. Nascemos assim e o corpo é somente uma casca que não representa nada. É muito triste ver que ainda não estamos nem perto de conquistar uma igualdade neste país”, frisou Enzo Rodrigues Prado.

Já Luiz da Costa complementou falando sobre o quanto as pessoas gostam de julgar e tirar conclusões próprias sem conhecer a história de vida do outro. “É muito fácil apontar o dedo para nós que somos trans e damos amor, protegemos e criamos nossos filhos. Mas ninguém aponta o dedo quando se trata de pais ‘normais’ que abandonaram os filhos, que não pagam pensão e nem sequer foram registrar o nome na certidão de nascimento. A sociedade precisa começar a rever os conceitos sobre o que é a figura de um pai de verdade”, concluiu.


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