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05/06/2020 às 15h01min - Atualizada em 05/06/2020 às 15h01min

Código de Ética tem falhas e confronta a Constituição Federal

Texto apresentado na Câmara de Uberlândia gerou questionamentos por parte de parlamentares e especialistas da cidade

SÍLVIO AZEVEDO
Reunião realizada pela mesa diretora e a Procuradoria, no mês passado, discutiu pontos do projeto com assessores e parlamentares | Foto: CMU/Divulgação
O projeto de resolução que institui o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Uberlândia foi apresentado nesta quinta-feira (4) e teve a votação adiada após pedido de vista do vereador Tunico (PL). O Diário consultou alguns juristas e vereadores sobre o assunto, que apresentaram falhas e inconstitucionalidade em determinados trechos. 

Os pontos principais questionados são os do capítulo VII, que trata da instalação de processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. Para explicar a polêmica, temos que consultar a Constituição e a legislação aplicável, mais precisamente o Decreto-Lei Nº 201/1967, que dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores.

O artigo 7º aponta os motivos pelos quais um vereador pode ter o mandato cassado. Já o rito, a forma como deve ser feito o processo, está publicado no artigo 5º, que é claro quando diz que se deve seguir o rito publicado na Constituição Federal quando não for estabelecido por uma legislação estadual.

Porém, para o doutor e professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Alexandre Walmott Borges, o conteúdo do Decreto-Lei é uma regra geral e que os poderes legislativos municipais podem fazer adequações em regimentos internos, desde que não viole o que diz a norma federal.

“É possível sim que os legislativos municipais estabeleçam normas procedimentais sobre o decoro à cassação de vereadores. O que não pode é violar uma espécie de núcleo central. Não dá pra dizer que todo o capítulo esteja com problemas, nós temos problemas em algumas partes. Existem regras gerais, da Constituição, regras do Decreto 201 e, fora isso, os legislativos têm autoridade para legislar complementando e detalhando minucias desse procedimento”, comentou. 

Outro ponto é a forma de admissibilidade de uma denúncia pela Câmara Municipal. A legislação federal diz que ela deve ser apresentada ao plenário para que os vereadores aprovem ou não a sua admissibilidade. Se sim, deve ser encaminhada para uma comissão que analisará, colherá os depoimentos e informações necessárias para elaborar um parecer que será levado novamente ao plenário para ser ou não aceito pelos demais vereadores. Assim tem sido feito com os 15 vereadores que sofreram e sofrem, no caso de Silésio Miranda (PT), processo de cassação.

Porém, o artigo 23 do texto do Código de Ética apresenta outra forma que, de acordo com Alexandre, seria inconstitucional. “Nessa proposta na Câmara tem um ponto que não está correto. Especificamente confrontando o que diz o Decreto-Lei 201. A proposta do Código de Ética, ela subverte isso. Recebe a denúncia e manda direto para comissão, violando o espírito do decreto nacional”.

Dentro desse mesmo artigo está a criação de prazos que podem chegar a 45 dias para que a denúncia corra dentro da Câmara, burocratizando mais os procedimentos. Além disso, o artigo 30 da proposta limita o recebimento de denúncias contra vereadores que sejam somente relativas ao exercício do mandato. 

Nos moldes como ocorrem os processos de cassação atualmente, por exemplo, foram apuradas condutas de vereadores de legislaturas anteriores. Para algumas pessoas ouvidas sobre o assunto, a exigência de que a conduta indecorosa ocorra em contemporaneidade ao mandato deve ser vista com cautela. Há situações que, embora ocorridas antes do exercício, tornam insustentável a imagem e os atributos compatíveis com o decoro.  Algo que Alexandre Walmott também concorda. 

 
“A interpretação correta, e a redação mais adequada, seria por atos praticados durante o exercício parlamentar seja qual for o exercício. Mas também deve ser analisado criticamente que muitas condutas podem ser afrontosas ao decoro, mas fora do exercício. Então o artigo não seria bom”.

Duras críticas
Um dos especialistas em Direito ouvido pela reportagem, que preferiu não se identificar, fez duras críticas à parte do texto do Código de Ética e Decoro Parlamentar, dizendo ser uma forma de os vereadores se resguardarem de processos que possam vir a sofrer, concedendo maior autonomia a eles próprios para proteção dos mandatos. 

 
“Alguns vereadores em exercício perceberam a relatividade de um julgamento político e se depararam com a fragilidade, com a efemeridade, de seus mandatos populares frente a uma opinião pública que tem questionado a classe política. Repararam nos seus inimigos políticos dentro do parlamento, da possibilidade concreta de sofrerem denúncias populares e a alta probabilidade de virem a ser cassados. Diante deste problema, encomendaram uma solução, uma forma de travar, parar, impedir que novos processos de cassação tivessem sucesso. O produto encomendado se chama Projeto de Resolução do Código de Ética da Câmara de Uberlândia”, opinou. 

Ainda segundo a fonte, a criação de um código de ética é algo muito bem-vindo no atual cenário de crise do Legislativo Municipal, uma vez que estaria em acordo com as premissas do Estado Democrático de Direito. 

De toda forma, o texto deve ser elaborado para atender os fins aos quais se propõe, orientando os direitos e deveres dos parlamentares com maior transparência e priorizando a conduta moral dos legisladores. Lembrando que a Câmara de Uberlândia, em quase 130 anos de fundação, nunca contou com um Código de Ética.  

“A Câmara Municipal é um poder soberano. Logo, não pode ser um espaço sem leis. Essa lei interna é o regimento e o código de ética, que definiriam em tese quais os valores e desvalores eleitos por um parlamento, sendo um guia de conduta para manter e proteger a honra e dignidade do Poder. Mas como pode-se notar no texto do Projeto de Código de Ética, essa não tem sido a preocupação principal”, finalizou. 

O OUTRO LADO
O Diário procurou a Casa para se manifestar sobre o assunto que respondeu, por meio da Diretoria de Comunicação, que o projeto está com o vereador Tunico em razão do pedido de vista por 72h. A mesa diretora vai aguardar a devolução para se posicionar, o que deve ocorrer na sessão da próxima terça-feira (9). 

Na sessão desta quinta (4), quando o projeto foi lido e a votação adiada, o presidente Ronaldo Tannús (PL) discordou dos argumentos de alguns parlamentares de que os projetos – tanto a proposta do Código, quanto a das alterações no Regimento Interno - estavam sendo colocados para apreciação às pressas.
O vereador ressaltou ainda que todos tiveram oportunidade para ler as propostas e fazer os questionamentos pertinentes, apresentando emendas às propostas em tempo hábil. 

“Todos os vereadores foram citados via e-mail. Tivemos reuniões com a Procuradoria e é um projeto importante para a Câmara Municipal, que tem mais de 100 anos e é uma das poucas que não tem um Código de Ética. Vamos aproveitar o prazo para estudar as emendas, mas reafirmo que todas já foram enviadas ontem [quarta-feira] aos vereadores”, disse o presidente. 

Uma das reuniões citadas pelo presidente ocorreu no último dia 13 de maio junto à Procuradoria-Geral da Câmara, Assessoria Técnico Legislativo e assessores jurídicos dos vereadores para discussão do código. 


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