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11/08/2019 às 07h30min - Atualizada em 11/08/2019 às 07h30min

Há sempre uma nova forma de pintar um novo dia

Helvio Lima celebra 50 anos de carreira em exposição que passará por três espaços

NÚBIA MOTA | ESPECIAL PARA O DIÁRIO
Hoje, com 50 anos de carreira e já aposentando, o artista plástico ainda vara madrugadas no atelier | Foto: Núbia Mota/Divulgação

Nos imóveis da Rua Felisberto Carrejo 204 e 208, nome do fundador de Uberlândia, localizada no bairro Fundinho, considerado o primeiro núcleo de povoamento da cidade, reside e trabalha um arquivo vivo de histórias locais expressas em forma de arte. Há meio século, o artista plástico Helvio Lima retrata as paisagens do cerrado, as primeiras profissões, as tradições religiosas, as brincadeiras de rua e as figuras populares que compõe suas lembranças.

Parte destas obras já podem ser vistas na ITV Cultural até o dia 14 de agosto. Outras duas exposições acontecerão a seguir, a partir dos dias 27 e 28 de agosto até 10 de outubro, na Oficina Cultural e na Casa da Cultura, respectivamente, com entrada gratuita.

“Meu Universo Particular” é uma retrospectiva dos 50 anos de carreira deste artista autodidata, que mesmo vivendo sempre na terra natal, viu sua obra ganhar o Brasil, Europa e Estados Unidos e acumulou prêmios nacionais e internacionais. Entre as telas expostas na ITV Cultural, a maioria em acrílico sobre tela, estão: Família, Chaveiro, O Pescador, Cirandar, Divina Lourdes, Jerônimo, Folia de Reis I, Folia de Reis II e O chão que a gente pisa. Com esta últimaele ganhou o primeiro prêmio no Salão Internacional de Artes do Projecto Cultural Sur, realizado em Brasília, em 2001.

“Essas obras em exposição foram pintadas desde o fim dos anos 90 e retratam a minha maneira de ver o mundo. Na Oficina Cultural, a Adélia Lima, escultora, minha esposa, estará expondo comigo na sala alternativa, a sua série de esculturas em terracota chamada ‘Paixão’”, disse Lima, que também é pai de Isabela Lima, que segue os passos dos pais.

Helvio Lima é um artista múltiplo, além de pintor, é poeta e escritor. Na infância, por incentivo da mãe, dona de casa e bandolinista, Maria Pereira Lima, vinda de uma família de músicos, ele venceu um concurso infantil de calouros na Rádio Difusora de Uberlândia. Neto de Antônio Alves Pereira, professor de música, maestro e compositor, trombonista do Jazz Band Ás de Ouro, o artista plástico ainda é sobrinho do maestro Carlos D’Alcântara, regente da antiga Orquestra Tapajós, pai do trompetista Magno D'Alcântara Pereira, o Maguinho, que fez parte da banda RC-7, de Roberto Carlos.

Mas foi o lado paterno que falou mais alto. Escondido do pai, o pintor de paredes Iracy de Lima, de quem era ajudante, o jovem Helvio pegava as tintas de pintar as casas e fazia nas tampas das latas pequenas paisagens, figuras e naturezas mortas.

“Quando entrei no primeiro ano primário, o material mais importante que recebi foi o caderno de desenho e a pequena caixa de lápis de cor com seis cores!”

Lima ainda admirava o pai quando desenhava cavalos e figuras humanas com a maior facilidade, mas Iracy abominava a ideia de ver o filho se dedicando às artes. “A figura do meu pai foi expressiva em minha decisão de ser artista, apesar dele ser radicalmente contra, porque achava que eu ia sofrer como ele sofreu sendo pintor de paredes”.

ANTES DA ARTE

Antes de se dedicar exclusivamente às artes plásticas, por mais de 20 anos, Helvio desempenhou vários trabalhos. Quando criança, vendia verduras e peixes na rua. Já adolescente, trabalhou junto ao pai, na pintura de casas. Foi office-boy em inúmeros estabelecimentos comerciais, cobrador das ações de um clube, auxiliar administrativo na secretaria do Colégio Estadual de Uberlândia, e depois de formado pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Uberlândia, hoje UFU, foi professor de francês. A partir de 1968, começou a fazer as primeiras exposições de artes. Naquele ano, participou de exposições coletivas como aluno da professora Neuza Barbosa Netto, no Clube Recreativo Araguarino, e no Uberlândia Clube.

“SEMPRE EM FRENTE”

A partir das aulas com Neuza Barbosa, artista e professora ainda em atividade e com passagem inclusive pelo museu do Louvre em Paris, as galerias de Lima eram as vitrines de várias lojas da cidade. Em 1970 e 1971, ele realizou suas primeiras exposições individuais na biblioteca da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, quando era aluno daquela escola. Na década de 80, a criação de estilo próprio e uma definição de traço pessoal e paleta em tons terrosos definiram seu estilo. A série “Operários”, em homenagem ao pai, abre caminho à observação da crítica, premiação em alguns salões de arte e abertura de espaços fora de Uberlândia. O sucesso também contou com o incentivo da colecionadora Lourdes Saraiva Queiroz e do artista José Morais, assistente de Cândido Portinari, criador do painel de pastilhas do Uberlândia Clube, executado por Geraldo Queiroz. “Quando comecei a pintar, as pessoas perguntavam se eu só pintava pessoas pardas e negras. Eu respondia que pintava a minha própria cor, a cor das minhas raízes, a simplicidade de onde eu vim. Eu nunca sofri preconceito racial, mas preconceito social, sim. Mas minha mãe sempre falava. ‘Erga a cabeça e siga sempre em frente’”.

DIVISOR DE ÁGUAS

Um dos pontos decisivos na história profissional de Helvio Lima ocorreu de 1974 a 1982, quando o artista teve a oportunidade de trabalhar no extinto Instituto Vallée, empresa fabricante de vacinas e medicamentos veterinários, que na época tinha escritório e fábrica em Uberlândia. Lá, o antigo funcionário trabalhou no setor de promoção e publicidade, onde desenvolvia os desenhos das embalagens, das campanhas e coordenava a publicação do jornal “Valléentão”, com assuntos relacionados à empresa, e também literatura e arte. Foi graças ao periódico que Helvio Lima começou a circular seus textos literários e sua arte no Brasil e no exterior.

Com a transferência da Vallée para Montes Claros, em 1982, e consequentemente a perda do emprego, Helvio apostou no seu talento e passou a se dedicar às aulas de arte e às tintas e pinceis. Hoje, com 50 anos de carreira e já aposentando, o artista plástico ainda vara madrugadas no atelier. “A vida é uma luta constante. Já me perguntaram se enjoei de pintar, mas não enjoei. Tudo me inspira, os grupos humanos, o movimento das pessoas, a paisagem que nos cerca. O cerrado é muito rico para mim, o lugar onde eu nasci e sempre vivi, as estradas de terra, a mutação do tempo, os ipês. Tudo é uma festa de cor que me inspira. Tem sempre uma nova forma de pintar um novo dia”, finalizou Helvio Lima.


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