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03/12/2018 às 10h01min - Atualizada em 03/12/2018 às 10h01min

Maconha como remédio?

ANGELA SENA PRIULI
Na última semana, uma comissão do Senado aprovou o cultivo para uso medicinal da planta que dá origem à maconha, a Cannabis sativa. Apesar de ainda ter um longo caminho pela frente para que seja implantada, a proposta modifica um trecho da legislação sobre drogas para ressalvar que deixará de ser crime o semeio, cultivo e colheita de Cannabis sativa para uso pessoal terapêutico.

A polêmica não quer calar, mas o fato é que a ciência está em uma busca constante por novas drogas que tratem condições que não costumam responder a tratamentos convencionais e a medicina encontrou na maconha uma esperança para aqueles que sofrem, por exemplo, de epilepsia, dores crônicas, doenças mentais, asma e glaucoma. Essa planta possui duas substâncias importantes: o canabidiol (CBD), que tem efeitos analgésicos, sedativos e anticonvulsivos, e o tetrahidrocanabidiol (THC), famoso por "dar barato", mas que atua como antidepressivo, estimulante do apetite e anticonvulsivo.

Não é fake, são fatos! E você tem o direito de conhecer e acessar as evidências que levaram os representantes do país a se mobilizarem para a introdução dessa (recentemente considerada) planta medicinal como tratamento. Tudo começou com as "mães da epilepsia"

A linha do tempo da regulação recente da maconha no Brasil trata de uma conquista altamente significativa que deve ser atribuída, principalmente, às mães das crianças epiléticas que tiveram suas histórias e pleitos veiculados na mídia impressa, televisiva e internet. Essas mães vêm ocupando a liderança da Cannabis medicinal no Brasil, se articulando com movimentos ativistas, instituições de ensino e pesquisa, levando a demanda de democratização do acesso que impulsiona o desenvolvimento de pesquisas.

Todo esse barulho por quê? Apesar de ser a condição neurológica com maior prevalência no planeta - no Brasil estima-se que haja 3,6 milhões de epilépticos -, são poucos os que recebem um tratamento adequado e muitos são refratários, ou seja, não respondem aos tratamentos disponíveis nas farmácias. Essa condição afeta 30% dos pacientes com epilepsia e está associada à morbidade grave e aumento da mortalidade.

Vamos entender. As convulsões, se não forem causadas por febre, drogas ou distúrbios metabólicos, caracterizam a epilepsia e acontecem da seguinte maneira: durante alguns segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais incorretos, que podem ficar restritos a esse local ou espalhar-se. Se ficarem restritos, a crise convulsiva será chamada parcial, mas se envolverem os dois hemisférios cerebrais, é generalizada, e pode ser fatal.

Isso leva qualquer mãe a mover céus e terra para ver bem seu filho!

| Evidências Científicas | Há dezenas de trabalhos investigando a ação dos canabinóides sobre a epilepsia. Dentre eles, em 2017 foi publicado um ensaio clínico inglês com 120 participantes, sendo crianças e adultos, e revelou a diminuição de 50% das convulsões nos pacientes durante o tratamento de 4 semanas com CBD (20mg/kg/dia). Com resultado similar, um estudo recente de 2018 incluiu 550 participantes com as síndromes de Lennox-Gastaut e de Dravet, que têm como sintoma principal as convulsões, e mostrou que o tratamento com 10-20mg/kg/dia de CBD diminuiu mais da metade do número de crises em um mês. Ainda neste ano, um ensaio clínico canadense com 20 crianças com síndrome de Dravet, tratadas por 20 semanas com CBD (média de 13mg/kg/dia) e THC (0,27mg/kg/dia), concluiu que houve 70% de diminuição na convulsões, melhorando atividade cerebral e qualidade de vida. E por aí vai...

A grande dúvida entre a comunidade médica e científica é a segurança em longo prazo relacionada à toxicidade. A contar pelo histórico da Cannabis medicinal no Brasil, uma grande parcela dos profissionais de saúde ignora, ao avaliar um tratamento farmacoterapêutico, que todas as substâncias apresentam algum grau de toxicidade; o que diferencia o efeito terapêutico do tóxico é a condição de exposição (dose, via de administração, estado patológico, etc.). Nos ensaios clínicos citados, os efeitos adversos incluíram diarreia, vômito, fadiga, pirexia, sonolência e resultados anormais em testes de função hepática, mas ainda há que se avaliar melhor e por mais tempo.

Eu, como portadora de epilepsia, mas controlada há 14 anos, torço para que o Brasil apoie a causa. Caminhar nessa direção pode mudar o caminho de milhares, senão milhões, de famílias que ainda sofrem com esse estigma que é a epilepsia.

Fica a reflexão sobre a maconha medicinal.

É fundamental mais estudo? Sim, para tudo e sempre.

É vital menos preconceito? Sim, para tudo e sempre.
 
Fontes:
http://epilepsia.org.br/o-que-e-epilepsia/
Devinsky et al. N Engl J Med; 376:2011-2020. 2017
Lattanzi, S., Brigo, F., Trinka, E. et al. Drugs; 78: 1791. 2018.
McCoy et al. A prospective open-label trial of a CBD/THC cannabis oil in dravet syndrome. Annals of clinical and translational neurology vol. 5,9 1077-1088. 2018.
https://journals.openedition.org/sociologico/1747
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