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03/08/2018 às 16h00min - Atualizada em 05/08/2018 às 07h32min

Diabetes: uma doença silenciosa e comum

Cerca de 7% da população tem a doença; Município tem tratamento especializado para o Tipo 1

NÚBIA MOTA | REPÓRTER
Foto: Carolina Portilho
Assim que a reportagem do Diário de Uberlândia chegou ao Centro Municipal de Atenção ao Diabético Tipo 1 (Cmad), no bairro Patrimônio, Vera Lúcia Alves Vieira, de 64 anos, foi a primeira a abrir um sorriso. Diabética desde os 31 anos ela tem apenas 20% da visão nos olhos e aguardava para fazer um curativo no pé recém-amputado. Há cerca de 2 meses, a aposentada pisou em um parafuso, algo corriqueiro para alguns, mas que gerou uma infecção e, consequentemente, a retirada do polegar e, poucos dias depois, de parte do peito do pé. O incidente em casa aconteceu 12 dias depois dela perder o marido que também tinha diabetes. “Ele tinha a pressão muito alta e ainda diabetes e, por isso, precisou ir para hemodiálise. Depois deu um AVC. Quando eu descobri a minha doença, só tinha uma irmã diabética. Hoje, quase todo mundo da família tem o mesmo problema”, afirmou. 

A aposentada faz parte de um grupo de 47 mil pessoas com diabetes tipo 2 em Uberlândia, com base em uma estimativa nacional de que 7% da população tenha a doença. Mas no Cmad, cerca de 80% dos pacientes atendidos têm o tipo 1 da doença, pois este é o público-alvo da unidade de atenção secundária. Ao todo, estão cadastradas 1.525 pessoas com esse tipo da doença que recebem todos os cuidados necessários, desde insumos para medir a glicemia, medicamentos, curativos, passando pelas consultas médicas, atendimento com fisioterapeuta, nutricionista, enfermeira até assistência psicológica e social. 

Já os pacientes com o tipo 2 estão vinculados apenas ao ambulatório de curativos e ao do Pé Diabético, onde recebem cuidados com as feridas, recomendações quanto a uso adequado de calçado e procedimentos podológicos. “Temos esses dois ambulatórios. Um específico para o tipo 1 e um ambulatório do Pé Diabético, onde atendemos também o tipo 2, pois a maioria destes pacientes é que tem feridas nos pés”, afirmou Marina Alves da Silva Pereira, coordenadora do Cmad.  

Ainda segundo Marina, os pacientes são encaminhados ao local pelos profissionais da saúde primária, formada pelo Programa de Saúde da Família (PSF), Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF) e Unidades de Atendimento Integrado (UAIs), quando é diagnosticado um risco de problemas decorrentes da doença, como dormência nos pés, ou casos ainda mais avançados. “Nossa missão é junto ao paciente e sua família. É fazer com ele aceite ser tratado e se mantenha em tratamento, porque um abandono custa muito alto para ele e para o próprio Município. Nosso trabalho é diário. Tratamos o paciente como um todo, não só o pé. Por isso, temos uma equipe multidisciplinar. Assim que ele recebe alta, volta para atenção primária, onde será acompanhado”, disse Marina. 

O Cmad tem 25 profissionais, entre eles, angiologista, ortopedista, endocrinologista, enfermeiros, técnicos em enfermagem, farmacêuticos, técnicos em farmácia, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas e uma assistente social, além do pessoal da área administrativa. Ao todo, são oferecidas em média 300 consultas por mês, além dos outros atendimentos. Em junho deste ano, por exemplo, foram feitos 596 curativos. 

A enfermeira Agrid Ferraz é uma espécie de recepcionista do centro. É ela quem recebe os pacientes encaminhados pela atenção primária ou aqueles que são operados no Hospital de Clínicas e Hospital Municipal e precisam de curativos. “Sou eu quem dou a primeira olhada. Eu avalio se o problema é mais ortopédico, se é mais vascular, ai eu marco com o angiologista, ou se é para o endocrino. Também vejo se precisa de fisioterapia e eu mesma trato da parte de curativos.”, afirmou Agrid. 

Como trabalhou por 12 anos no Programa de Saúde da Família (PSF), a enfermeira disse que já encaminhou muitos pacientes para o Cmad, antes de fazer parte da equipe. Segundo ela, a diabetes tem classificações de risco. Quando o diabético perde a sensibilidade nos pés é risco 1, quando tem a insensibilidade e uma deformidade no membro ou problema de circulação é o risco 2 e se tiver uma lesão já é um risco 3.  Quem tem sensibilidade normal, está com boa circulação e não tem ferida nos pés o risco é 0, então permanece na atenção primária e é acompanhado por lá. “A partir do risco 1, já é encaminhado pra cá para gente olhar melhor. O ideal é não esperar dar ferida. Se tiver falta de sensibilidade e um calo, por exemplo, esse calo com certeza vai virar ferida se não cuidar. E quem tem o risco 1, nunca mais volta a ser risco 0, é um dano irreversível. Porque se perde a sensibilidade, é o nervo que morreu”, disse Agrid. 

No dia da reportagem, por exemplo, dos cinco novos pacientes atendidos por Agrid, além dos habituais, 3 chegaram com feridas nos pés e vão precisar ir ao centro com frequência para fazer curativos, devido ao alto grau de dificuldade no procedimento. “São geralmente feridas grandes, tem muita necrose, tem que tirar tecido morto e não são todos lá da saúde básica que tem essa habilidade. Depois que a ferida está melhor, mais limpa, pode voltar para o posto ou fazer o atendimento lá e a aqui, revezando. Damos suporte para equipe do PSF também,” afirmou a enfermeira. 

Por isso, a profissional fala da importância de se ter um centro especializado em diabetes, pois, segundo ela, é muito difícil capacitar toda a saúde primária para atendimentos específicos. “Aqui tem um olhar multiprofissional, com fisioterapeuta, enfermeiro, nutricionista, mais acostumados apenas com esse tipo de doença”, afirmou a enfermeira. 



NEUROPATIA
Cerca de 20% dos pacientes terão problemas nos pés

Em 12 anos em que foi criado o Cmad em Uberlândia, 8 deles conta com o ambulatório Pé Diabético, hoje, frequentado por 185 pacientes. Segundo o ortopedista Glauber Oliveira, com base em estudos globais, até 80% dos pacientes com diabetes vão ter alguma neuropatia, como dormência das extremidades, mas que vão chegar a ter o pé diabético, com feridas e deformidades, é de 5% a 20% desse grupo. 

Se o paciente que chega ao centro tem apenas a falta de sensibilidade no pé, o acompanhamento é feito mesmo para o uso adequado do calçado, assim como quem não tem problema de dormência. No caso de pessoas que já têm deformidades, com dedo em garra, por exemplo, entra a indicação de sapatos adaptados ou o uso de palmilhas fornecidas no próprio centro. “Tem várias níveis de palmilhas. Aqui fazemos algo mais simples e mais específico para o paciente”, disse Glauber. 

Algumas pessoas, segundo o ortopedista, chegam em estágios tão grave no ambulatório, que ele encaminha direto pra o Hospital de Clínicas ou Hospital Municipal para fazer cirurgias e até mesmo amputações. Outros pacientes são levados para as Unidades de Atendimento Integrado (UAIs) para fazer terapias com antibióticos. “Tem muitos que pensam que porque perdeu um dedo, vão morrer e desistem do tratamento. Por isso é importante o atendimento multidisciplinar”. 

Iara Cristina Venturine, de 38 anos, descobriu a diabetes tipo 1 há 3 anos depois de uma dormência nos membros inferiores e é uma das pacientes do ambulatório Pé Diabético. Além de todos outros sintomas, a doença trouxe ainda o pé de Charcot, descoberto em estágio avançado, que causa deformidade, fraturas e deslocamentos dos ossos dos pés e tornozelo. Recentemente, Iara teve ainda que passar 28 dias no Hospital de Clínicas, tomando antibiótico devido a uma infecção causada por uma lesão. “Eu pisei em um brinco, que furou meu chinelo e fiquei andando assim, sem perceber, e infeccionou.  Estava doida para voltar para o centro e sair do hospital. Aqui é muito melhor”,  afirmou a dona de casa.

Fisioterapeuta

Aldejar Cardoso, de 77 anos, tem diabetes tipo 2, causada pela obesidade desenvolvida desde os 7 anos . Hoje, ele utiliza, eventualmente, os serviços de podóloga no Cmad, mas já chegou a ser atendido pela fisioterapeuta e angiologista, quando teve inchaço e ferida na perna, curados por meio de drenagem linfática. “A Vanessa é uma profissional excepcional. Aqui é maravilhoso, uma benção de Deus. Até me emociono em falar. Quando venho aqui, volto para casa muito melhor. Durmo melhor. O pé domina todo o corpo”, disse o aposentado. 

A profissional excepcional a quem Aldejar se refere é a fisioterapeuta Vanessa Costa Azevedo Cruz, que trabalha no Cmad há 5 anos e atua desde a prevenção de agravamentos a reabilitação de pacientes amputados. Segundo ela, grande parte dos pacientes que chegam ao centro apresentam dormências ou feridas nos pés. Ela então avalia a necessidade de um calçado especial, faz drenagens linfáticas para reduzir o inchaço, trabalha exercícios para melhorar a musculatura e a vascularização, e confecciona palmilhas que são oferecidas pelo centro. “As palmilhas são feitas para reduzir os pontos de pressão, porque se ele continuar pisando naquele local, vai acabar ferido e se já tiver ferido, não vai cicatrizar.  Também trabalho com pacientes que tiveram um membro amputado, porque eles precisam passar por uma reabilitação para usar um prótese ou uma órtese”, afirmou Vanessa.  

Uma inovação no Cmad, que chegou há 1 ano, é a utilização do laser para a cicatrização de feridas de difícil cicatrização. 

Prevenção
Doença afeta principalmente os vasos sanguíneos

A diabetes pode trazer uma série de complicações à saúde. A doença afeta principalmente os vasos sanguíneos, causando problemas macrovasculares, ou seja, nas grandes artérias do corpo, e também microvasculares, afetando os vasinhos das extremidades, como as pontas dos dedos, da retina e dos rins. Por isso, é comum diabéticos terem feridas nos pés, mãos, perda de visão e insuficiência renal, com vários casos com necessidade de hemodiálise. “As feridas são mais comuns nos pés, principalmente por ser uma articulação de carga, onde temos mais traumas. Esse problema na microcirculação atrapalha também os nervos das extremidades, que são irrigados por sangue, e por isso, ele para de sentir e fica dormente”, disse o ortopedista Glauber Araújo de Oliveira. “Seja no PSF, ou na UBS, a pessoa pode ser acompanhada por um clínico-geral, antes de ter neuropatia ou outros problemas. Aqui no Centro do Diabético o enfoque é para quem tem um maior agravo”. 

Outra curiosidade, segundo a endocrinologista Cláudia Cristina Costa é que o tipo 1 da doença é causado exclusivamente pelo fator genético, independentemente do ambiente, embora  o cuidado com alimentação seja importante durante o tratamento. Já no tipo 2, a doença é adquirida devido a fatores externos, com estilo de vida, sobrepeso e obesidade. 

Mas com cuidados adequados, o diabético pode evitar chegar a estágios avançados da doença e viver uma vida normal. “É importante seguir uma alimentação saudável, usar o medicamento correto, porque muitas vezes as pessoas têm acesso ao remédio, mas não usam regularmente. Precisa fazer exercício físico, a automonitorização para o controle da glicemia, que é mais comum pelo exame de ponta do dedo para o tipo 1. No tipo 2, a monitorização é menor, mas precisa ser feita de 2 a 3 meses”, afirmou Cláudia.  Glauber Araújo também chama a atenção para o diagnóstico precoce. “Problemas de circulação são mais comuns em quem não controla o diabetes ou demorou para ser diagnosticado. Tem caso de paciente que já têm diabetes há 5, 10 anos e quando descobre, já está com problema no pé”, afirmou o médico.

De acordo com a endocrinologista, Cláudia Costa, os diabéticos podem ter uma alimentação normal, recomendada para o restante da população. Eventualmente, podem comer algo com açúcar simples ou carboidrato. Para isso, os pacientes com a variedade 1 da doença vão precisar de uma dose extra de  insulina. “Isso preciso ser feito em um contexto de alimentação saudável, porque simplesmente comer doce e aplicar insulina vai fazer a pessoa ganhar peso e descontrolar o diabetes. Da mesma forma pra quem não tem diabetes. Quem come doce todo dia, não tem alimentação balanceada, pode evoluir pra excesso de peso ou um diabetes do tipo 2”, disse Cláudia. 

Centro Municipal de Atenção ao Diabético (CMAD)

Endereço: rua Tenente Rafael de Freitas, 530, bairro Patrimônio, zona sul da cidade
Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 7 às 18 horas
Profissionais: Endocrinologistas, angiologista, ortopedista, nutricionista, psicóloga, fisioterapeuta, podólogas, assistente social,  enfermeiros e técnicos de enfermagem.


Cmad fica na rua Tenente Rafael de Freitas, 530, bairro Patrimônio
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