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11/03/2018 às 05h38min - Atualizada em 11/03/2018 às 05h38min

Cuidar do ambiente é bom para os negócios

Ícone da exploração submarina, Sylvia Earle, 82, diz que é burrice apostar num duelo entre proteção ambiental e economia

REINALDO JOSÉ LOPES | FOLHAPRESS
Aos 82, Sylvia Earle, esteve com Temer e foi decisiva para a decisão da criação de reservas que deve acontecer ainda este mês | Foto: Marcos Corrêa/PR

A bióloga que mais contribuiu para a compreensão e a preservação dos oceanos nos últimos 50 anos alertou que é burrice apostar numa oposição entre crescimento econômico e proteção ambiental. "O atual governo dos EUA parece acreditar que essa oposição existe, mas a verdade é que o principal acionista da economia é o ambiente", afirma a pesquisadora americana Sylvia Earle, 82, que lança nesta semana a edição brasileira de seu principal livro, "A Terra é Azul". "Ao longo da história humana, prevaleceu a tendência de achar que o ar que respiramos, a água que cai do céu e os animais que capturamos são de graça. Hoje sabemos que essa ideia está errada, mas as políticas públicas não conseguiram se atualizar de acordo com o novo conhecimento que obtivemos", diz. "Quando colocamos os sistemas naturais na balança de pagamentos, fica óbvio que cuidar do ambiente é bom para os negócios", completou Earle.

Ela conclui o raciocínio citando o presidente americano Ronald Reagan (1911-2004), um dos ícones da direita dos EUA: "Proteger o ambiente não é um tema liberal ou conservador, é só bom senso". Earle, que é exploradora-residente da National Geographic e passou por instituições como Universidade Harvard e Academia de Ciências da Califórnia, celebrizou-se no começo dos anos 1970 ao se tornar uma das primeiras mulheres a participar de experimentos de sobrevivência humana em ambientes subaquáticos. Estudiosa da diversidade de espécies de algas do planeta, ela também é inventora, dedicando-se a desenvolver mini-submarinos e trajes de mergulho voltados à exploração das áreas mais profundas e escuras dos oceanos.

ALCATRAZES

Ela conheceu a parceria entre a Marinha brasileira e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) no arquipélago de Alcatrazes, a cerca de 50 km de São Sebastião (litoral paulista). As ilhas, que tinham chegado a sofrer considerável degradação em meados do século passado, hoje têm ambientes recuperados e estoques pesqueiros em crescimento, segundo o ICMBio. "Cuidar da vida dos oceanos é um tema de defesa não só nacional como também planetária", disse Earle ao vice-almirante Antonio Carlos Soares Guerreiro, que a recebeu em São Sebastião. Em seguida, ela visitou Alcatrazes em helicóptero da Marinha. "O Brasil foi abençoado com recursos naturais excepcionais na terra e no mar. Agora temos uma oportunidade sem precedentes de protegê-los no longo prazo, evitando consumi-los apenas para obter ganhos imediatos", diz ela.

Nas últimas décadas, houve diversos sinais de problemas sérios nos ambientes marinhos -como a perda de 90% ou mais da população de quase todos os peixes pescados comercialmente ou episódios de mortandade maciça de corais, hoje cinco vezes mais comuns do que nos anos 1980, graças ao aquecimento global.

Mas vozes céticas em relação às mudanças ambientais têm se tornado comuns. Como antídoto ao ceticismo anticientífico, Earle dá uma dica simples: converse com parentes ou amigos mais velhos. "Fale com um avô, uma tia ou um tio e pergunte: que plantas e animais eles costumavam ver sempre quando crianças e não aparecem mais? Pergunte a um pescador mais velho quais peixes ele consegue pegar hoje e o que ele pegava há 20 anos ou 30 anos atrás. Dê uma olhada em fotografias antigas e tente compará-las com os mesmos lugares hoje. A taxa com que as mudanças têm acontecido é de tirar o fôlego, e as evidências dos impactos humanos estão mais do que claras."

CORRIDA

Conforme essas transformações vão acontecendo, entender como oceanos saudáveis funcionam está virando uma corrida contra o tempo, em especial no que diz respeito às áreas mais profundas, ainda pouco estudadas. Em parte, diz a bióloga, isso se deve à falta de instrumentos e recursos: a maioria dos submersíveis tripulados e submarinos-robôs capazes de chegar ao oceano profundo já tem "emprego fixo" na exploração de petróleo e gás, e não na pesquisa científica. "É muito importante que consigamos estudar o mar profundo antes de conceder permissões para atividades como mineração, em especial levando em conta o papel desses lugares em sequestrar carbono [evitando, assim, o avanço das mudanças climáticas, causadas pelo aumento de gases como gás carbônico na atmosfera] e abrigar espécies e ecossistemas únicos."
 
ENCONTRO

Governo vai criar unidades de conservação

A visita de Sylvia Earle ao Brasil foi um empurrão significativo em favor da criação de um grande conjunto de reservas naturais marinhas em águas profundas. Ela foi recebida pelo Presidente Michel Temer no dia 5 deste mês e reforçou suas ideias e necessidade da criação de reservas. O Governo do Brasil deve assinar, ainda em março, decretos criando unidades de conservação federais em dois arquipélagos: Trindade e Martim Vaz, no Espírito Santo; e São Pedro e São Paulo, em Pernambuco. Segundo o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, o presidente deve anunciar os decretos no Fórum Mundial da Água, com início em 18 de março.

A assinatura ocorre após as audiências, que terminaram ontem, para discutir o tema. “De tudo que temos recolhido das audiências públicas, não houve nenhuma objeção à criação das unidades de conservação. Feita a audiência, o presidente vai poder assinar os decretos”, disse Sarney Filho. Segundo ele, cada um dos arquipélagos terá mais de 40 milhões de hectares definidos como Área de Proteção Ambiental (APA). Nessas áreas a exploração é permitida, mas de forma sustentável e com plano de manejo. Além disso, em cada um dos arquipélagos haverá uma área considerada Monumento Natural Marinho (Mona), de proteção integral. Em Trindade e Martim Vaz serão mais de 6 milhões de hectares de Mona. Em São Pedro e São Paulo, serão 4 milhões de hectares.
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