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17/09/2017 às 05h14min - Atualizada em 17/09/2017 às 05h14min

A utopia da igualdade

ALEXANDRE HENRY ALVES* | COLUNISTA

Assistindo à famosa e sangrenta série Game of Thrones, uma cena me chamou a atenção. Na série, uma das personagens principais é Daenerys Targaryen, filha de um rei morto que pretende retomar o lugar que um dia já foi do seu pai. Em sua jornada, ela vai conquistando territórios aos poucos, passando a governar tais territórios e buscando ser uma rainha justa. Um de seus objetivos é justamente acabar com a escravidão nas cidades por ela conquistadas. Na cena que atraiu a minha atenção, porém, ela percebe que a realidade não é tão simples. Um ex-escravo, já idoso, suplica a ela que permita a ele voltar a ser servo de seu antigo senhor. Seu desejo, diz o ex-escravo, é o mesmo de centenas de outros que foram libertados.

A igualdade é uma utopia. Quando eu falo em igualdade, eu me refiro àquele sonho de que todos tenham uma fatia igual do pão, de que todos vivam em igualdade, sem que uns sejam servidores de outros. Basicamente, um desejo de parte da esquerda. Por que eu digo que é utopia? Pelo simples fato de que as pessoas são diferentes e há, sim, muita gente que prefere seguir um líder, que prefere ter um patrão (mesmo que isso represente uma condição social inferior), do que ter que estar à frente e tomar decisões. Não são poucas as pessoas que nasceram para ser lideradas, acredite em mim. Ser liderado pode até fazer com que você tenha que acordar cedo todos os dias e trabalhar arduamente até aparecerem as primeiras estrelas no céu. Mas, quando o relógio diz que sua obrigação acabou e que você pode ir para casa, você ganha o direito de esquecer aquele trabalho ao menos até o começo do dia seguinte. Sua única preocupação é não perder o emprego. Se alguém entrar na empresa para roubar, se houver uma variação nas vendas, se o gerente não está cumprindo o papel desejado pelo patrão, nada disso é preocupação sua, especialmente se o seu trabalho não estiver em risco. A sua responsabilidade é limitada ao que você tem que fazer.

Isso é um conforto. Pode até parecer estranho, mas é. Generais, dirigentes, presidentes de empresas e outras pessoas em função de comando têm preocupações que os acompanham durante as 24 horas do dia. Mais do que isso, eles precisam tomar decisões e decidir é uma tarefa absolutamente desgastante. Precisam, e aqui é a pior parte, responsabilizar-se pelas decisões que tomam. Não é todo mundo que quer um fardo desses. Claro, os confortos materiais trazidos pelas posições mais elevadas são invejados por praticamente todo mundo, mas não é todo mundo que trocaria a tranquilidade do seu dia a dia, mesmo com o cansaço de um cotidiano de trabalho intenso, por uma vida materialmente mais confortável, mas imersa em um mar de responsabilidades.

Há outra questão importante: a disposição de cada um para se esforçar por uma vida melhor é diferente. Quantas pessoas você conhece que não querem se esforçar para sair do patamar econômico em que se encontram? Pessoas que ainda são novas, mas que desejam apenas relaxar após o trabalho, quando poderiam continuar os estudos para melhorar um pouco a própria situação financeira. Parte considerável da população é assim. Vive em um estado de acomodação por opção, não por falta de oportunidade. Talvez a explicação venha do fato de que, realmente dinheiro não é tudo. Explicação que vale, aliás, tanto para essa acomodação quanto para o desejo de continuar como subordinado, sem assumir maiores responsabilidades.

Sim, a igualdade plena é uma utopia. É de uma ingenuidade imensa achar que todos os seres humanos terão, algum dia, uma idêntica fatia do pão e que ninguém será mais subordinado de ninguém. Essa sociedade não existe.

Porém, e aqui a direita que me desculpe, isso não significa que deva prevalecer um liberalismo selvagem. Se a igualdade é uma utopia, a intervenção estatal para que todos tenham as mesmas oportunidades deve ser uma meta constante. É direito do cidadão, por exemplo, escolher se quer fazer um curso superior ou não. Se ele não quiser, tudo bem. Não cabe ao estado obrigá-lo. Mas, é dever do estado possibilitar a todos que tenham a chance de estudar. O mesmo vale para tudo o que se refere ao desenvolvimento econômico pessoal e familiar. De um lado, deve-se ter em mente que sempre existirá uma massa que irá preferir a acomodação e a subordinação. De outro, deve-se ter em mente que é preciso fazer de tudo para que as pessoas efetivamente possam escolher o que querem para a própria vida, ou seja, é preciso que apenas a igualdade plena seja uma utopia, não a igualdade de oportunidades. Esta deve ser uma realidade, sempre.

(*) Juiz Federal e Escritor - www.dedodeprosa.com

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