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17/12/2018 às 08h42min - Atualizada em 17/12/2018 às 08h42min

Uma data para ser lembrada

ALEXANDRE HENRY | JUIZ FEDERAL E ESCRITOR
No último dia 13 de dezembro, foi o “aniversário” de cinquenta anos do Ato Institucional nº 5, o famoso AI-5. Creio que você já deva saber do que se tratou, mas, caso não saiba, o AI-5 foi um texto simulando o formato de uma lei, com doze artigos, imposto pelo então presidente Costa e Silva e que dava ao presidente poderes extraordinários, típicos de um regime ditatorial. Com o AI-5, Costa e Silva passou a poder, entre outras coisas: a) suspender o Poder Legislativo e legislar sozinho, em seu lugar; b) cassar mandatos políticos e suspender direitos dessa natureza por até dez anos; c) suspender garantias dos juízes e demais servidores públicos civis e militares, inclusive demitindo-os com uma simples canetada; d) determinar a intervenção em estados e municípios sem qualquer limitação; e) suspender o habeas corpus de alguns tipos de crimes. Todo esse poder, e mais alguns, nas mãos de apenas uma pessoa, o presidente.

Voltemos um pouco no tempo, a 1964. Recentemente, vieram à tona discussões sobre o período de governo militar no Brasil entre 1964 e 1985, inclusive com algumas defesas de que não se tratou de um golpe e nem de uma ditadura. Que foi golpe, disso não há dúvidas. A intenção era retirar o presidente eleito do poder e, para tanto, havia uma previsão constitucional clara: o impeachment, previsto no art. 88 da Constituição de 1946, então vigente naquela época. Formalmente, até que tudo pareceu “nos conformes”. O presidente da Câmara assumiu a presidência pouco tempo depois da saída de João Goulart e, em seguida, o Congresso elegeu, indiretamente, Castelo Branco como presidente. Esse era o caminho previsto na Constituição. Só que João Goulart somente deixou o país porque as Forças Armadas foram para as praças com seus tanques. É como se você estivesse na rua, viesse um sujeito e colocasse um revólver 38 na sua cabeça, apontasse em silêncio para o seu relógio, você entregasse seu relógio para ele e, quando o sujeito fosse preso algum tempo depois com o dito cujo no pulso, dissesse: “Eu não roubei nada! Eu nem pedi o relógio, só queria saber as horas. Ele me entregou porque quis”.

Quanto ao período ter sido ditatorial, bem, os diversos atos institucionais editados pelos militares, especialmente o AI-5, não deixam dúvidas de que não vivíamos um período democrático.

Aí, entra outra discussão: o golpe era inevitável, diante da ameaça comunista, e foi o melhor para o Brasil? Bom, há controvérsias. Quando Jânio Quadros renunciou, deram um jeito de evitar com que João Goulart assumisse o poder, mas colocaram um civil (Tancredo Neves) para tocar o país. Talvez fosse possível um arranjo entre os civis também em 1964, especialmente porque, como eu disse, a Constituição já previa o impeachment. Mas, tomemos como verdade a ideia de que apenas os militares seriam capazes de evitar a “ameaça comunista” e representavam a única esperança para o país, tanto que tinham apoio de boa parte da população e dos donos do PIB. Qual seria então o caminho menos traumático? Colocar na clandestinidade, mais uma vez, os partidos mais à esquerda, fazer um expurgo dos parlamentares alinhados às ideias comunistas e, logo depois, convocar novas eleições sem a participação dessa turma. Aliás, era isso que a maioria dos empresários e, creio eu, da população em geral, esperava quando aplaudiram a entrada das fardas no Palácio do Planalto em 1964.

O grande problema, como destacou há alguns meses o presidente italiano Sergio Mattarella, é que “o exercício do poder pode provocar o risco de se inebriar, de perder o senso de serviço e de fazer surgir, em vez disso, o senso de domínio no exercício do poder”. Pois os militares gostaram da cadeira presidencial e lá ficaram por mais de duas décadas. Para ficar no poder muito além do tempo implicitamente concedido pela grande parte dos brasileiros em 1964, o único caminho era a ditadura e o AI-5 foi a solução final.

Por isso, é importante relembrar o dia 13 de dezembro como uma data importante na história do país, uma data que representa o risco que se tem ao se depositar todas as fichas em uma solução fora dos limites da Constituição Federal e dos caminhos democráticos. Mesmo que determinado remédio possa parecer, no começo, a melhor escolha para evitar uma doença muito ruim, é preciso dar sempre preferência àqueles medicamentos que, mesmo não mostrando uma eficácia tão boa quanto ele no curto prazo, não tragam o risco de, junto com a doença, matar o próprio paciente.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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