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10/12/2019 às 18h19min - Atualizada em 10/12/2019 às 18h19min

Após escândalos, vanzeiros vivem em meio a incertezas em Uberlândia

Motoristas da Coopass contam sobre pressão, medo e dívidas assumidas por causa do esquema montado pela diretoria

SÍLVIO AZEVEDO
Operação O Poderoso Chefão teve como foco denunciar desvios de recursos no serviço municipal de transporte escolar | Foto: Arquivo Diário de Uberlândia
A operação O Poderoso Chefão, desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) em outubro deste ano, motivou a prisão de dirigentes da Cooperativa dos Transportadores de Passageiros e Cargas (Coopass) e dos vereadores Alexandre Nogueira, Juliano Modesto e Wilson Pinheiro. Desses, Nogueira era o único diretamente ligado à cooperativa. Ao Diário de Uberlândia, alguns motoristas relataram como o esquema denunciado pelo Ministério Público afetou a vida dos cooperados. 

A operação teve como foco denunciar desvios de recursos no serviço municipal de transporte escolar e acabou se descobrindo muitas irregularidades envolvendo os parlamentares e membros da diretoria da cooperativa que, segundo a denúncia do Gaeco à Justiça, formaram uma organização criminosa que adulterava as planilhas de quilometragem do transporte escolar.

Atualmente os cerca de 300 cooperados seguem com dúvidas sobre o futuro da empresa, que possui dívidas com os motoristas e prestadores de serviço. A reportagem procurou alguns cooperados que aceitaram contar suas histórias mantendo o anonimato por medo de represálias. Todos afirmam que suspeitavam que coisas escusas aconteciam, mas não imaginavam o tamanho do esquema por trás da prestação do serviço.

“A relação entre cooperativa e cooperado era obscura, ninguém sabia de nada. Até um conselho fiscal foi montado para concorrer com a chapa de situação para desvendar o que acontecia dentro da Coopass. Mesmo ganhando, foram impedidos de tomar posse e uma ação na Justiça foi ajuizada para impedir a posse”, disse Maria (nome fictício).

Ainda de acordo com Maria, um grupo de cooperados aguarda na Justiça que a antiga diretoria apresente uma prestação de contas detalhada. “Estamos esperando a juíza convocá-los para essa prestação de contas. Está no processo tudo que viram de ilegalidade e solicitaram as informações e a apresentação de notas fiscais, extratos bancários, depósito bancário”.

O contato da diretoria com os cooperados não era tão simples. Segundo Maria, muitos se sentiam constrangidos de ir falar com o presidente Deusmar Alves Pereira, outros sentiam medo da presença de Alexandre Nogueira. Assim como o vereador, Deusmar foi um dos denunciados por organização criminosa e cumpre prisão domiciliar. 

 
“A maioria tinha medo de falar com a diretoria, porque o Alexandre Nogueira não saía de lá. Ele tinha uma influência muito grande lá dentro, não tinham coragem de questioná-lo. Já o Deusmar nunca estava sozinho. Toda vez que a gente ia falar com ele reunia todo mundo na sala da diretoria. Quem não tinha coragem acabava sendo coagido, ficava quieto”.

Cooperados eram obrigados a contratar serviços do grupo econômico
De acordo com o Gaeco, os acusados fundaram diversas empresas para, além de lavar o dinheiro desviado dos cofres públicos, obrigar os cooperados a aderir a serviços diversos. Segundo a denúncia, os motoristas eram obrigados a abastecer no posto da Coopass, fazer proteção veicular na empresa Apruma, fundada por eles. Além disso, a única empresa de funilaria que prestava serviços para a associação de proteção veicular era de propriedade de um dos acusados. O plano de saúde também era administrado pelo mesmo grupo econômico alvo das investigações. 

Maria conta que não chegou a ficar devendo a Coopass por serviços oferecidos por empresas conveniadas da cooperativa, mas sabe de outros motoristas que passaram dificuldades financeiras por conta dessas dívidas. A cooperada tem salários a receber da Coopass. Faltam 20% do salário de novembro de 2016, 19% de novembro de 2018 e os meses completos de dezembro dos mesmos anos.

“O que eles faziam, seguravam o pagamento da gente. Segundo eles, a Prefeitura de Uberlândia não repassava o dinheiro, e demoravam a pagar. Quem não tinha condições acabava comprando nas lojas conveniadas com a cooperativa. Era posto, oficina, loja de peça e até supermercado eles inventaram convênio. Eu acredito que era para ter o cooperado na mão. Quem dependia da cooperativa comprava tudo. Vinha descontado era em folha mesmo”.

Segundo a denúncia, os motoristas eram obrigados a abastecer no posto da Coopass | Foto: Arquivo Diário de Uberlândia


QUATRO MESES SEM SALÁRIO
Gabriel (nome fictício) também sofreu na pele a desorganização financeira na Coopass causada pela suposta organização criminosa, que segundo o Gaeco, era chefiada pelo vereador Alexandre Nogueira. Segundo ele, os motoristas que ficaram até o fim na cooperativa têm pelo menos quatro meses de salários para receber.

 
“A relação com a Coopass era a gente no mato trabalhando para trazer dinheiro e, quando era para receber, ele sumia. A gente ia procurar saber o que estava devendo, eles não mostravam, ficavam só dobrando a gente”.

E o drama não era somente de Gabriel. Muitos motoristas passavam por situações financeiras difíceis, principalmente os que sustentavam família e o único sustento era o dinheiro ganho com a cooperativa.

“A maioria foi prejudicada. Eu não passei dificuldade porque sou separado e moro sozinho. Mas quem é pai de família passou fome. Eu falo porque vi, presenciei. Uma vez até falei para o prefeito Odelmo que eu não passava fome porque comia na escola ou porque estava viajando”, conta Gabriel.

Os prestadores de serviços também foram afetados com a falta de pagamento. Gabriel afirma que consertou sua van em uma oficina, teve o valor descontado, mas não repassado para o estabelecimento. “Tem 12 anos que eu arrumo sempre no mesmo lugar, mas a cooperativa ia lá e dava o aval. É de confiança. Ficaram devendo para ele também. Eu mesmo arrumei a van lá e a cooperativa descontou o dinheiro de mim, mas não repassou para ele. Para receber um pouco, teve que pegar um carro da cooperativa”.
 
DÍVIDAS
“Eu estou com meu nome no SPC e Serasa por uma dívida de cartão de crédito. Eu tinha que trocar pneu, ter seguro total e sempre esperando pagamento e eu com nome pendente por causa disso. Isso, mesmo tendo dinheiro para receber”.

Essa é a situação de Rubens (nome fictício). Assim como os demais cooperados, o motorista viveu de perto as mazelas do fim da Coopass. Mas preferia trabalhar, fazer o que era seu ofício, dirigir. Deixava de lado os problemas da cooperativa mesmo sabendo que as coisas não estavam normais.

 
“A gente até vê que está tendo alguma coisa errada, porque a coisa só ia para o lado errado e eles jogavam a culpa sempre no atraso de pagamento da Prefeitura. Aí atrasava pagamento e tinha que fazer dívida com banco. E esse juro é o que eles alegavam que estava sempre piorando as coisas para a gente”.

Outro motorista relata a dificuldade que levou ao fim da Coopass, que não pagava os cooperados e nem fornecedores. “Tinham as oficinas credenciadas, mas ao final do ano passado começaram a cortar porque eles não pagavam os fornecedores e as oficinas. É onde cada um começou a ter que andar com as próprias pernas, mesmo sem ter recurso. Manutenção de van, eu tinha que pagar no cartão, quem tinha cartão. Só que não adiantou. Quem fez, hoje está enrolado”, diz.

Rubens lembra do início da cooperativa, quando o negócio era bom para todos. Mas, segundo ele, a ganância pelo dinheiro desvirtuou alguns dirigentes e a situação acabou gerando o fim da Coopass. “No meu ponto de vista, foi criada uma cooperativa e era tudo para ser bom para todos. Inclusive nos dois primeiros dois anos foi melhor. Mas aí já veio eles com a desonestidade, querendo só o benefício próprio e ficou ruim para todo mundo. É uma situação lamentável”.

Após 23 anos atrás de um volante, teve que vender o veículo senão acabaria perdendo-o por causa das dívidas. “Eu comprei a minha van há 5 anos e não fiquei devendo nada dela. Vendi [agora] devendo R$ 25 mil. É lamentável porque você fica 23 anos da vida trabalhando e quando sai, sai perdendo assim”.

Rubens ainda faz um questionamento sobre a situação de todos cooperados que aguardam uma decisão judicial favorável para receberem o que lhes é devido. “Hoje fico pensando o seguinte: está havendo esse tanto de denúncia, de dinheiro desviado, mas a gente não recebe o que está perdido lá. Prendeu, está pagando o preço pela escolha. E nós? Vamos ficar no prejuízo?”.










 

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