Camila Coimbra é docente há 13 anos na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) | Foto: Daniel Pompeu “Eu sempre tive muita vontade, eu sempre tive a certeza de que eu seria professora. Desde pequena, muito pequena”, disse a professora Camila Lima Coimbra, de 46 anos, que atua na Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) há 13 anos. A quarta reportagem da série especial sobre a profissão professor tem como foco os docentes da rede pública e privada que, assim como Camila, retratam os pontos de vista da área educacional no âmbito universitário.
Na docência, ela acumula 29 anos. Antes de passar no concurso e ingressar na UFU, ela também foi professora na Educação Infantil. No contexto da universidade, ela se especializa nas áreas de formação de professores e prática educativa.
Sobre o papel da universidade pública, a professora defende que a instituição leve conhecimento para além dos muros. Coimbra tem um projeto de extensão - voltado para a comunidade externa - que oferece assistência pedagógica a pais de crianças em creches de Uberlândia. Ela defende que haja uma troca entre sociedade e academia, sempre respeitando o conhecimento local.
Já Marcos Miguel Nazareno, professor de Engenharia de Produção, de 50 anos, tem uma perspectiva diferente da de Coimbra com relação ao universo da docência. Ele dá aulas na Esamc, faculdade particular de Uberlândia há 3 anos, mesmo período que tem experiência como professor.
Nazareno também é coordenador do curso de Engenharia de Produção. Antes de se dedicar à educação, o professor ministrava palestras e treinamentos para empresas sobre sua especialidade. “Eu sempre trabalhei fora. E num intervalo entre um trabalho e outro eu conheci a docência”, disse.
Apesar de recente no âmbito da sala de aula, ser professor sempre esteve entre seus planos de carreira. Por uma questão financeira, optou por continuar trabalhando no mercado. A experiência lhe rendeu uma visão da educação mais voltada para a prática profissional. “Sempre tive muito contato com as empresas daqui e através da docência eu retomei esse relacionamento para conseguir estágio para os alunos. Nós formamos engenheiros para o mercado de trabalho.”
Os dois professores com os quais o Diário de Uberlândia conversou têm visões distintas da prática educacional no ensino superior e seus depoimentos compõem esta que é a quarta e última reportagem da série que retrata a realidade dos docentes e educadores na cidade de Uberlândia.
Segundo Nazareno e Coimbra, os principais desafios para professores do ensino superior vão desde a frágil base educacional dos alunos que chegam à sala de aula, até a desvalorização da universidade, quadro que envolve o corte de verbas para pesquisa e a queda na remuneração profissional.
DESAFIOS
De acordo com o último Censo da Educação Superior, idealizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), há cerca de 400 mil professores atuando em faculdades, universidades e centros universitários no Brasil. Em Minas Gerais, são 43 mil. Na Universidade Federal de Uberlândia, são 1.901 em todos os campi. O órgão não disponibiliza números de professores por instituições privadas locais.
Para Nazareno, uma das principais dificuldades encontradas por ele e outros colegas de profissão está ligada a problemas de ensino básico.
“Existe um problema que vem da alfabetização e vai até o ensino médio. Nós recebemos alunos com dificuldades de redigir um texto, apresentar um trabalho, problemas com matemática. Isso é muito frequente”, disse. Ele explica que no curso da universidade em que trabalha há cinco disciplinas de cálculo, para que o aluno possa ter a chance de rever, absorver e aprofundar as bases que dão sustentação à ciência exata. “Esse é o nosso desafio, trazer o aluno para a parte técnica o mais rápido possível.”
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Marcos Miguel Nazareno é professor de Engenharia de Produção na Esamc | Foto: Arquivo pessoal Para além de uma questão de transmissão de conhecimento, o professor diz que a universidade acaba se tornando um ambiente de desenvolvimento de habilidades necessárias à rotina acadêmica e profissional. Desenvoltura em apresentações, redação, elaboração de projetos e cumprimentos são apontados pelo professor como habilidades que têm de ser constantemente cobradas dos alunos para que estes consigam se inserir no mercado.
Haida Viviane, presidente do Sindicato dos Professores do Triângulo Mineiro (Sinpro), aponta como uma das principais dificuldades do professor de instituições particulares de ensino superior o acúmulo de funções que tratam da tecnologia em ambientes educacionais.
“Todo o trabalho de Ensino a Distância (EaD) quem produz é o professor. Ele tem a função de produzir e não recebe por essa produção. Dentro da função dele, vista pelo empregador, ele tem que fazer”, disse. A questão tecnológica, de acordo com ela, se soma à falta de especificação nos acordos sobre as atividades que são feitas fora da sala de aula.
Nazareno também critica a questão. “Não é previsto [em contrato]. Eu preciso fazer porque, se não faço, não consigo tocar meu trabalho. Eu preciso estar preparando aula, antenado, pesquisando, aprendendo, relembrando, isso faz parte do contexto, mas eu não recebo por isso”, disse. De acordo com ele, seu desejo seria viver apenas da docência, mas a baixa remuneração o impede de se dedicar exclusivamente.
POLÍTICA
No âmbito da universidade pública, Coimbra entende que as dificuldades atuais são derivadas do contexto político. Um dos problemas apontados pela professora são os recentes cortes de bolsas estudantis de assistência e pesquisa.
“Diminuiu muito o número de bolsas. Nessa semana mesmo, uma estudante que era bolsista do Pibid [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência] disse que perdeu a bolsa e agora tem que conciliar o trabalho com os estudos”, disse.
De acordo com a professora, a escassez de garantias para que os alunos se dediquem aos estudos e outras atividades extra-aula, como extensão e pesquisa, são reflexos de uma constante desvalorização das universidades. Ela cita, por exemplo, o cancelamento de 230 bolsas de iniciação científica - que pagam cerca de R$ 400 a alunos da graduação - na UFU após cortes de investimento pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).
A professora entende que as universidades federais passaram por grande expansão durante a década passada, mas recentemente têm sofrido com cortes do Governo Federal. “Precisaria de ter agora as condições de manutenção, essa é a minha visão. Eu tenho receio que a gente não vá conseguir o que precisa para manutenção dessa ampliação”, disse.
Ela se refere principalmente à gestão de Jair Bolsonaro (PSL). “A ideia que se tem é que as universidades só servem para formar esquerdistas, marxistas, com meninos que fumam maconha, e que não há mais o que se fazer na universidade, além de deixa-las morrer à míngua.”
REMUNERAÇÃO
Os professores que atuam no magistério superior federal contam com um plano de carreira instituído por legislação. De acordo com a tabela remuneratória básica atual, docentes com dedicação exclusiva à instituição de ensino com no mínimo doutorado podem receber entre R$ 4.463,93 e R$ 8.833,96, a depender do nível e classe do docente. A esse valor, entretanto, se somam diversos adicionais, como aqueles por tempo de carreira, capacitação, avanços na carreira, cargos, entre outros, que podem multiplicar remuneração, chegando ao teto constitucional para servidores públicos de R$ 39,2 mil.
No caso de docentes de instituições particulares, a remuneração é regulamentada por acordos entre os sindicatos da categoria e os patronais. Para o Triângulo Mineiro, o piso salarial para 50 minutos de aula atualizado em 2018 é de R$ 35,63. A este número, se agrega um adicional por número de alunos, por tempo de serviço, mais um adicional de 20% para atividades extraclasse, como preparação de aulas e correção de provas.
Apesar do modelo de medição e atribuições das categorias terem suas distinções, a diferença entre as remunerações é alta. Benerval Santos, professor da Faculdade de Educação da UFU há 10 anos e presidente da Associação dos Docentes (Adufu), entende que a disparidade se dá por causa das atividades de pesquisa, extensão, entre outras as quais o professor universitário das instituições federais tem que se dedicar.
“No Brasil, a pesquisa se dá, com raras exceções, nas universidades públicas. Um professor de universidade particular é contratado para dar aula. Nas federais, não. A aula é uma parcela importante, mas é uma fração de tudo que o professor tem que fazer”, disse.
Tanto para Coimbra, que atua na UFU, quanto para Nazareno, que atua na Esamc, o problema não é a remuneração do professor de instituições públicas, mas a baixa valorização do professor das universidades privadas em contexto nacional.
“Na sociedade desigual em que a gente vive, existe uma diferença muito grande entre as redes de educação. Há uma desvalorização muito grande desses professores [de instituições particulares]”, argumenta Coimbra, ao responder se entende os salários mais altos das universidades federais como privilégio.