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24/03/2019 às 09h20min - Atualizada em 24/03/2019 às 09h20min

Professores falam sobre as cobranças e os prazeres de trabalhar na rede privada em Uberlândia

Segunda reportagem da série, conta a rotina dos profissionais da Educação nas escolas particulares

DANIEL POMPEU
Patrícia Assis é responsável por uma turma do primeiro período de Educação Infantil, onde as crianças têm entre 4 e 5 anos. | Foto: Daniel Pompeu
É fim de tarde. Crianças esperam pelos pais para iniciar a viagem até casa. A grama sintética do parquinho é totalmente tomada pelos pequenos que se revezam nos brinquedos. A educadora Patrícia Assis, de 38 anos, presencia a cena na mesma escola particular de Educação Infantil há 12 anos. Atualmente, a pedagoga é responsável por uma turma do primeiro período de Educação Infantil, onde as crianças têm entre 4 e 5 anos.

Patrícia e outros dois docentes da rede privados contaram ao Diário de Uberlândia histórias que compõem a segunda reportagem da série que aborda a profissão dos professores.  Na primeira reportagem, professores das escolas estaduais relataram as experiências na rede. 

O primeiro emprego foi em uma pequena escola no bairro onde vivia quando havia terminado o Ensino Médio. Acabou se apaixonando pela educação e não parou mais desde então. “Eu gosto muito e gosto dos pequenos. É muito prazeroso. Eles nos ensinam muito.” Ela explica que com as crianças a chave é a disciplina e a rotina. Assim, começam a se identificar com os momentos de cada atividade e a participar do processo de aprendizado.

O público de Gisele Lucas Araújo, professora de português do Ensino Fundamental II, já demanda outros tipos estratégia em sala de aula. Ela tem 44 anos e a 25 constrói a carreira. Se tudo correr bem, Araújo espera se aposentar em alguns anos. Apesar dos desafios, ela diz que não escolheria outra profissão. “Eu gosto muito de ser professora, sou apaixonada. E por isso nesses anos todos eu nunca mudei de ideia.” Formada em pedagogia e letras, ela escolheu o antigo magistério enquanto ainda cursava seu próprio Ensino Médio e desde então deu aulas apenas na rede privada.

Um pouco diferente é a trajetória de Luis Bustamante, de 54 anos. O professor se formou em Medicina, fez mestrado em Geografia e doutorado em História. Enveredou para as humanidades em seu caminho acadêmico, mas hoje equilibra as duas paixões: é médico pediatra no Hospital de Clínicas da UFU e professor de História do Ensino Médio e cursinho pré-vestibular em uma escola privada de Uberlândia.

"Eu acho que o nosso talento ele não é pra uma coisa só. Você pode ter várias áreas que te interessam, que te fascinam. Acho que a minha carreira nas ciências humanas me ajuda muito na área de medicina e o oposto também”, diz Bustamante. Ele começou a dar aula na rede privada enquanto ainda cursava a graduação, há 32 anos.
 
COBRANÇA
 
A educação privada é frequentemente apontada como melhor estruturada e de qualidade superior. Isso não significa, entretanto, que os professores não enfrentem desafios de outras naturezas. Os depoimentos dos entrevistados relatam, por exemplo, a existência de uma pressão para que haja uma boa relação com os alunos e uma atenção para além do conteúdo ministrado.

“O particular tem muito a coisa da criança ser um ser único na escola, individual. Ele é visto assim. Talvez em outros lugares onde tem 30, 40 crianças por sala a gente não perceba isso. O limite na minha sala é de 15”, diz Assis sobre a situação da escola particular em que trabalha. No caso dela, são cobrados três relatórios por ano sobre cada criança em sala. Cada relatório também é apresentado aos pais em uma reunião particular.

No caso do Ensino Fundamental, Araújo coloca como necessidade o constante cuidado para lidar com as demandas dos estudantes, pais e a direção da escola.  “Eu sou aquela que morde e assopra. Você tem que ser a legal e ao mesmo tempo você tem que ser exigente, porque se você for só exigente, você não vai atrair os alunos para sua aula. E se for só for legal, você também não alcança seus objetivos.”

Como a escola é particular e cobra mensalidades, a professora entende que os “clientes” (pais e alunos) se sentem no direito de exigir um tratamento diferenciado. “Alguns ainda querem que a escola seja puxada, cobre do filho. Outros você tem que pisar em ovos porque não pode cobrar do filho. O tempo todo é um jogo de cintura. Não é fácil.”


Luis Bustamante é professor do Ensino Médio e cursinho pré-vestibular. | Foto: Divulgação

Em etapas mais avançadas, a cobrança de tratamento dos alunos se transforma em uma questão de carisma e popularidade do professor. É o que diz Luis Bustamante, professor do Ensino Médio e cursinho pré-vestibular. “Muitas vezes a popularidade do professor é o que garante a permanência dele na escola ou não. Isso às vezes é uma distorção na rede privada como um todo. A popularidade do professor entre os alunos como único indicador de produtividade.”

Mesmo com tais cobranças, os professores reconhecem que o trabalho feito na rede privada tem menos desafios do que em escolas públicas. Questões como os recursos disponíveis, estrutura, número reduzido de alunos em sala de aula, apoio da administração da escola são apontadas como fatores que facilitam o trabalho dos docentes quando comparado ao dos colegas da rede pública. Outro diferencial, especificamente no caso das crianças, é a nutrição durante o período escolar. Como aponta Assis, na escola em que trabalha os jovens chegam a fazer três refeições por turno.
 
 
Pisos salariais a partir de acordos
 
O Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-Minas) estabelece pisos salariais a partir de acordos com o sindicato das escolas particulares. Partindo destes pisos, os professores negociam seus salários com as instituições privadas. No caso do Triângulo Mineiro, em 2018 foi definido o piso salarial por hora/aula do Ensino Infantil (Pré-escola) e Ensino Fundamental I a R$ 14,80. Para o Fundamental II e Ensino Médio o valor é de R$ 21,68.

Já para o curso Pré-vestibular o valor da aula de 50 minutos vai a R$ 35,38. Ainda é acrescido ao pagamento um adicional por número de alunos por sala, adicional por tempo de serviço e remuneração para atividades extraclasse como reuniões e eventos. Segundo números do Sinpro, há cerca de 3 mil professores da rede particular em Uberlândia, entre sindicalizados e outros atendidos pelo sindicato. Em toda Minas Gerais, são 80 mil professores de escolas particulares filiados ao sindicato.

Haida Viviane, diretora do Sinpro do Triângulo Mineiro, entende que apesar do salário maior na rede privada, o professor acumula funções que são pouco valorizadas na remuneração.

“Nós temos uma carga horária fora da empresa muito grande. De produção de texto, de produção de material, de correção, preparação de aula, reunião de planejamento e com os pais. A gente tem os 20% de adicional extraclasse. Mas esses 20% não atendem todo o trabalho que o professor faz.”

Há ainda, de acordo com Viviane, a falta de estabilidade que marca a função em escolas privadas. O que também pesa é a demanda pelo atendimento individualizado dos alunos, que devem ter seu desempenho constantemente monitorado pelo professor.

“Eu acho que o professor devia ganhar mais, muito mais. Pela questão da responsabilidade, da demanda do trabalho”, diz Patrícia Assis ao ser questionada sobre sua remuneração como educadora no Ensino Infantil. Ela diz gostar muito da profissão, mas hoje trabalha meio período para cuidar dos próprios filhos e divide seu tempo com um hobbie: a culinária. A venda de bolos e doces complementa, por necessidade, a renda como professora.

Para Luis Bustamante, que também é médico, a diferença salarial entre as duas funções é evidente. Mas, de acordo com ele, nesses momentos o diferencial é a paixão pela docência. “A minha remuneração como médico é muito melhor do que a de como professor. Mas eu sinto muito prazer muito grande em sala de aula. Não abriria mão desse prazer por nada.”

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