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13/11/2018 às 09h07min - Atualizada em 13/11/2018 às 09h07min

O odontólogo que ganhou dois Jabutis

Escrita por paixão e um investimento de R$ 3 mil conferem reconhecimento ao cearense Mailson Furtado

ADREANA OLIVEIRA COM FOLHAPRESS
Em legenda de foto no Facebook Mailson escreveu estar ainda surpreso com os Jabutis | Foto: Reprodução Facebook
Ao buscar o nome Mailson Futado no Google é provável que a primeira coisa que encontre com destaque seja o endereço de sua clínica odongológica no interior do Ceará. Um pouco mais acima, discretamente, inserida recentemente, uma nota com referência ao vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura de 2018, um dos mais cobiçados do País.

O dentista/autor que escreve por prazer não só desbancou autores de renome e grandes editoras com o premo da categoria Poesia como também faturou na categoria Livro do Ano pelo seu “À Cidade”, lançado de forma independente com um investimento do próprio bolso de R$ 3 mil.

Esse investimento agora se paga com os R$ 5 mil em prêmios na primeira categoria e nos R$ 100 mil na segunda. Porém, mais que isso, lança uma luz sobre a produção literária independente muitas vezes negligenciada no Brasil.

Após ler e se encantar com “Romance da Pedra do Reino”, do paraibano Ariano Suassuna, o dentista cearense empreendeu uma jornada de alguns dias pelo sertão da Paraíba. “Quando cheguei lá, tive uma sensação de conhecimento do lugar, de já ter ido”, disse Mailson.

Ao retornar para a cidade onde mora - a pequena Varjota, no noroeste do Ceará, com pouco mais de 18 mil habitantes - decidiu que precisava escrever algo sobre a sua região, para que qualquer pessoa pudesse sentir algo semelhante ao que ele sentiu no sertão.

Assim nasceu o primeiro rascunho de “À Cidade”. Com ele, um único poema de 60 páginas sobre uma cidade no sertão, o odontólogo que escreve por paixão não só derrotou autores importantes no panorama da literatura brasileira contemporânea, como a poeta Marília Garcia e o romancista Joca Reiners Terron, como também colocou a publicação independente no foco de uma premiação afeita a grandes casas editoriais.

Para Robisson Albuquerque, da editora uberlandense Subsolo, a importância dos autores independentes e que circulam publicados por pequenas editoras é fundamental hoje para literatura nacional. São livros que têm tiragens menores e que alcançam, até por isso, leitores mais criteriosos. Os autores buscam visibilidade participando de festivais e eventos. “O escritor moderno deixou de ser um artista encalacrado em sua solidão ou timidez, e está compreendendo que além da obra, a circulação do autor é fundamental”, afirmou em entrevista ao Diário de Uberlândia. Neste ano, a Subsolo lanço oito autores: Mariana Anselmo, Alanna Fernandes, Maria Lyra, Valtênio Spíndola, Luci de Melo, Zé Roberto Montes, Marlize Schuck e Marcio Spaolonse. E vem mais por aí em 2019.

Robisson comenta ainda que não é mais necessário ser publicado por uma grande casa editorial para conseguir leitores e uma boa circulação de seus livros. “Diferente do passado, hoje a publicação se tornou mais democrática, ao mesmo tempo que se ironiza que por outro lado essa acessibilidade à impressão fortaleceu um movimento de que existem mais escritores do que leitores no País. Mas na verdade, a importância de um volume maior de publicações é fundamental para consolidação de uma literatura nacional de fôlego, nesse início de século 21, pois a separação do joio do trigo cabe aos leitores e à crítica”, disse o editor.

Ao receber a estatueta no palco do Auditório Ibirapuera, em São Paulo, no dia 8 de novembro, Mailson dedicou o prêmio aos autores que não encontram espaço em editoras para lançarem suas obras e à “uma literatura que se faz sozinho”. Disse esperar que o reconhecimento abra as portas do mercado editorial para os independentes.

“À Cidade” é o quarto livro do autor, escrito em um período de 20 dias em novembro de 2015 que Mailson considera “psicologicamente desgastantes”. Uma vez pronto, levou os manuscritos para o grupo de teatro do qual faz parte, a Companhia Querendo Arte, e tentou “subir o texto” e torná-lo uma peça, mas o processo não deu certo. No entanto, os encontros com os colegas atores foram importantes para a lapidação do poema e para a sua formação como escritor, conta.

Com o texto finalizado, Mailson diagramou e criou o desenho que ilustra a capa. Encomendou 300 exemplares a uma gráfica local, ao custo de R$ 3 mil, os quais distribuiu para jornalistas, algumas editoras, livrarias, amigos poetas e “quem eu achava que ia ler”. “Lancei sem expectativa nenhuma de lucro”.

O livro chegou foi lançado oficialmente - na Bienal do Livro do Ceará, em 2017 - e teve circulação no estado. Mailson conta que procurou grandes editoras, mas nunca obteve resposta. Entrou em contato com as menores, mas desistiu quando viu que teria que pagar parte dos custos de publicação, maiores do que os R$ 3 mil que investiu.

Ele afirma que inscreveu a obra no Jabuti “sem qualquer expectativa”, que “tomou um susto” quando “À Cidade” foi selecionado como finalista e um “susto total” quando levou o prêmio de livro do ano. Diz já ter recebido mensagens de editoras, mas que só vai pensar nas propostas na semana que vem, no retorno a Varjota.

Talvez a história de Mailson tenha um pouco de destino. O poeta, que cita como influências Ana Cristina Cesar, Chacal e o conterrâneo Geraldo Melo Mourão, conta que soube que seria escritor quando criança, ao entrar em contato com os versos de Paulo Leminski na biblioteca da escola onde estudava. “Aquilo era o que eu queria fazer. Queria ser igual a ele um dia."
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