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04/11/2018 às 07h00min - Atualizada em 04/11/2018 às 07h00min

O desafio de formar público para o teatro

Há 10 anos o grupo no mi surgiu com uma proposta e atinge a maturidade adaptando-se aos dias de hoje

ADREANA OLIVEIRA
Foto: Divulgação
Há dez anos o grupo de teatro No Mi surgia em Uberlândia. Entre seus fundadores está o ator Saunders Rodrigues que, a princípio, acreditava que só levar o teatro para a rua era o bastante para ajudar a formação de público e fomentação da cena. “Mas descobrimos que não é bem isso. O buraco está bem mais embaixo, só levar o teatro para a rua não é suficiente”, disse ele, em entrevista ao Diário de Uberlândia.

Em 2008 não imaginariam ter vida tão longa, mas tão pouco o projeto foi visto como brincadeira. “Surgimos diante da dificuldade de fazer teatro convencional na cidade, levar as pessoas para as salas de espetáculos e decidimos fazer o teatro de rua”, recorda.

Depois de terminar a faculdade ele passou dois anos em Belo Horizonte, onde esteve imerso na cultura teatral da capital mineira enquanto os colegas, que já eram o núcleo do No Mi, concluíam o curso. “Na época, o que me incomodava na faculdade era ser fantoche de professor. Se, por exemplo, algum deles estava fazendo uma pesquisa sobre Jorge de Andrade só nos pediam trabalhos referentes a ele. Em Belo Horizonte encontrei um teatro evoluído, onde de segunda a segunda você encontra atrações nas ruas ou salas de espetáculos”, disse ele que trabalhou com grupos como o Grafite e Cia Candongas.

Ele voltou com a proposta do que seria o No Mi: um grupo de teatro de rua que apresentaria espetáculos gratuitos. Chegaram a trabalhar por um período com leis de incentivo e desistiram. “Temos liberdade para produzir o que acreditamos que deve estar em cena. Abrimos mão das leis de incentivo e passamos a fazer animação  de festas e eventos para manter o grupo, mas sempre com espetáculos que têm nossa identidade, não o pão e circo. Não ganhamos dinheiro como grupo, para nós é um hobby, todos os envolvidos têm outros trabalhos. No No Mi nos realizamos artisticamente e estamos felizes com os resultados que temos alcançado”.

Segundo Saunders, percebe-se na cena teatral local, além da dificuldade financeira, a dificuldade de divulgação das atividades se você não faz parte de um determinado grupo. “Vimos nos teatros sempre as mesmas pessoas e sentimos a necessidade de renovar esse público, por isso escolhemos a rua. Assim, resolveríamos o problema da falta de aporte financeiro”, disse Saunders.

Conforme o tempo passava as apresentações aconteciam em praças, corredor de ônibus da avenida João Naves de Ávila e outros espaços. “Tivemos nossos erros e nossos acertos e percebemos que a formação do público é complexa, mesmo na rua, quando se chega até uma audiência não se tem a certeza de que ela vai passar aquilo para frente ou vai inserir essa arte no seu dia a dia”.

Diante dessa realidade, o grupo percebeu que por meio de projetos relacionados com arte e educação poderiam ir mais na raiz da questão. Essa fase começou com uma parceria que durou quatro anos com o Sesc dentro do projeto “Saúde na Escola”. “Nesse período desenvolvemos cerca de dez peças de temas variados: dengue, segurança alimentar, diabetes, higiene bucal, bullying... sempre indo além da parte didática. Dessa forma as crianças começam a se interessar pela arte, comentam com a família, com os amigos e logo estão propensas a levar todo mundo para o teatro. Talvez aí esteja a saída para a questão da formação de público”, disse Saunders.

O No Mi acredita no teatro como um lugar de experiência intensa, meio sonho, meio ritual, onde o espectador se aproxime de uma visão de autodiscernimento, indo do consciente para o inconsciente, para uma compreensão da natureza das coisas. “Nosso objetivo é fazer com que o teatro faça parte do cotidiano das pessoas. Onde for possível apresentar, e enquanto for possível, estaremos fazendo o que mais amamos”.
 
PESQUISA
 
Saunders Rodrigues fala sobre a importância das pesquisas que levam às produções teatrais. O No Mi tem suas raízes na cultura popular, mas não só na cultura popular brasileira. “A commedia dell’arte é cultura popular europeia, o circo é cultura popular mundial. Neste ano faremos um espetáculo em homenagem ao circo de periferia que está em extinção no Brasil. Fazemos peças simples e de qualidade”, afirmou.

Ao perceber uma certa mudança de comportamento no público nos últimos anos o grupo passou a investir em produções de menor duração. Têm trabalhos com mamulengo que duram 15 minutos, a comédia “Casei com a sogra” com 40 minutos e o que Saunders considera o grande sucesso do grupo, o “Alto de Natal”, com 13 minutos.

Atualmente o No Mi conta com oito pessoas em seu elenco fixo, porém, tem vários colaboradores, principalmente oriundos de suas aulas de teatro. “Sinto que ainda carrego os grupo nas costas mas sonho que ele seja maior que eu e que se mantenha a tradição, mesmo que eu venha a faltar”.

Saunders comenta que o No Mi tem uma atuação profissional com CNPJ, impostos pagos, mas atua com logística amadora para sobreviver de acordo com suas crenças. Todos os sábados dão aulas de teatro gratuitas para quem quiser. Muitos alunos tornam-se colaboradores do grupo. “É um organismo vivo e pulsante”, comentou.

Outro projeto do grupo é o Teatro No Mi Casa, no qual as pessoas se inscrevem para receber espetáculos em suas residências. As regras são: não cobrar ingresso e não estar envolvido em outra festa. “As pessoas devem estar lá para ver a peça. Já nos apresentamos em casas grandes, pequenas, para plateias de três e até 30 pessoas. Entre elas, algumas que nunca tinham ido ao teatro”, contou Saunders que afirma que isso tem gerado mais interesse pelas produções do grupo.

Para fortalecer a cena, eles criaram o Canal Teatro Pirata, no YouTube, no qual divulgam peças exibidas ou em produção em Uberlândia. “Assim criamos demanda. Mesmo que ainda tenhamos muito teatro de ego por aqui – aqueles em que a arte em si dá lugar aos caprichos de alguns atores”, disse Saunders.

Ele entende que seria fácil para o No Mi desistir, afinal, a classe artística não se apoia, as empresas não se interessam em ajudar grupos pequenos e você precisa obrigar a população a te assistir. O governo não tem interesse nenhum na arte. “Parece que a gente está errado, e a gente ama estar errado. Não conseguimos pensar em não fazer teatro”, finalizou o artista.

NO MI
Origem: Uberlândia (MG)
Ano: 2008
Linha: teatro de rua
Elenco fixo atual
Ana Leal
Duka Santos
Lucas Mendes
Lucas Par
Luiza Carvalho
Matheus Barbuio
Saunders Rodrigues
Sérgio Dalláglio
 
PRINCIPAIS PROJETOS

Teatro Permanente de Rua: aulas gratuitas de teatro oferecidas semanalmente aos sábados em locais aleatórios sempre das 14h às 17h
Teatro No Mi casa: apresentações gratuitas em residências
Canal Teatro Pirata: Divulga e falar tudo a respeito de peças teatrais que são ser apresentadas ou  estão em fase de produção em Uberlândia
https://teatronomi.wixsite.com/udia
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