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19/11/2017 às 05h42min - Atualizada em 19/11/2017 às 05h42min

Ilhas flutuantes preservam tradição milenar

Cercado pela cordilheira dos Andes, na fronteira do Peru com a Bolívia, o Titicaca é o lago navegável mais alto do mundo

ISABEL ROCHA | COLABORAÇÃO PARA A FOLHAPRESS
Embarcação típica dos uros, em ilha flutuante no lado peruano do lago Titicaca / Foto: Isabel Rocha/Folhapress

 

O farfalhar da palha e o ronco dos motores de barcos que navegam ao longe são os únicos barulhos que se escutam em Uros Aruma Uro, uma das mais de 90 ilhas flutuantes que ocupam o lado peruano do lago Titicaca.

Tocadas por uma luz amarelada capaz de tornar qualquer "filtro-de-hipster-no-instagram" desinteressante, as ilhas têm atmosfera tranquila e acolhedora.

Mas, apesar do ar seco, das altas temperaturas e do intenso azul das águas configurarem um cenário perfeito para mergulhar, não é comum encontrar uma pessoa corajosa o suficiente para nadar nas águas sagradas do Titicaca - não por algum tipo de convenção ou respeito, mas sim porque, vindas das geleiras, elas não estão em temperatura tão convidativa assim.

Cercado pela cordilheira dos Andes, na fronteira do Peru com a Bolívia, o lago navegável mais alto do mundo é tão belo quanto grandioso: são 8.300 quilômetros quadrados localizados a mais de 3.800 metros de altitude.

No chamado lago Maior, ao norte da península Capachica, as águas são agitadas e podem chegar aos 274 metros de profundidade.

Já ao sul da península, no lago Menor, a água é bastante calma e as regiões mais profundas não ultrapassam os 20 metros. Foi ali que, há centenas de anos, os uros se estabeleceram.

 

COSTUMES

Descendentes de um dos primeiros povos a habitar a região do Titicaca, os uros são popularmente conhecidos por viver sobre ilhas de palha que flutuam sobre o lago. Mas a verdade é que suas peculiaridades e tradições vão muito além disso.

Para lá das ilhas que recebem famílias, mochileiros e turistas, eles seguem se comunicando em aymará (idioma de seus antepassados praticamente extinto no restante do país); realizando oferendas à Cota Mama (a divindade da água); vestindo trajes cujas cores, estampas e ornamentos indicam seu estado civil; e saindo cedo para pescar e levar seus filhos a uma das três escolas primárias que flutuam sobre o Titicaca.

"Quando ficam mais velhas, as crianças têm que ir estudar em Puno [cidade costeira a cerca de 15 minutos de barco da região], pois não há escolas secundárias ou faculdades aqui", afirma Juan Lujano, presidente da Uros Aruma Uro - uma das poucas "ilhas-hotel" onde é possível pernoitar na região.

O sistema político da comunidade também é bastante particular. Por lá, cada ilha pertence a uma família e é presidida por seu patriarca, que deve se responsabilizar pela segurança, pela manutenção e pela organização interna do microterritório.

Cada ilha pode abrigar até oito famílias e é composta, basicamente, por "casas modernas" (que servem de moradia e têm tamanho para abrigar colchões e alguns objetos pessoais); "casas antigas" (em formato cilíndrico, semelhantes a uma choupana, que funcionam como depósito); cozinha (pedras sobre as quais é possível acender o fogo sem comprometer o solo de palha); e um mirante (estrutura mais elevada sobre a qual é possível ter vista panorâmica da região).

Perci Leonardo, presidente da ilha Suma Willjta, explica que esses mirantes, que hoje fazem a alegria dos turistas e não têm nenhuma função prática para os moradores, foram fundamentais para a comunicação entre as ilhas no passado.

"Antes de haver celular, era por meio deles que nós nos comunicávamos. Quando tínhamos algum problema subíamos no mirante para avisar aos demais presidentes", diz Leonardo.

Extasiados com as peculiaridades do cenário e munidos de celulares e de câmeras fotográficas, viajantes dos quatro cantos do mundo fazem fila para embarcar nas chalanas turísticas, que partem diariamente do continente para visitar a comunidade flutuante de perto.

Isso não impede que os locais, descendentes de um povo que já ocupava a região dos Andes muito antes do surgimento do Império Inca, se mantenham fiéis às suas rotinas e tradições milenares.

 

TOTORA

Planta é usada construção de ilhas e embarcações

Às margens do lago é possível observar o que os locais chamam de totorales - neologismo criado para descrever os mais de 11 mil hectares onde a totora (espécie de junco típico da região) cresce abundantemente. Com brotos fibrosos e úmidos, a planta é rica em iodo e utilizada medicinalmente para baixar a febre, aliviar queimaduras de sol e até como alimento.

Como se não bastasse, é a partir dessa palha, também, que os uros constroem suas ilhas, suas casas, suas embarcações e seus artesanatos.

Após a extração, a planta é deixada ao sol durante cerca de três semanas até atingir um aspecto seco e amarelado para, finalmente, servir de matéria-prima das ilhas da comunidade. O processo, que vai da edificação do solo (por meio de um agrupamento de blocos de raízes) até a construção das casas, pode levar anos e segue em contínua manutenção.

"O solo vai sendo comprimido naturalmente conforme caminhamos sobre ele e, por isso, temos que colocar uma nova camada de palha sobre o chão a cada 15 dias mais ou menos", explica Juan Lujano.

 

'MERCEDES-BENZ'

Coroadas por grandes cabeças de puma (um dos animais sagrados da trilogia inca) e movidas com a ajuda de longos bastões que tocam o fundo do lago, as embarcações típicas também são construídas a partir da totora.

Apesar de já não serem mais utilizadas para os deslocamentos diários dos uros (que hoje recorrem a barcos motorizados), elas fazem a alegria dos turistas e são motivo de orgulho dos locais.

"É a nossa Mercedes-Benz!", brinca o presidente da ilha Suma Willjta. Segundo Leonardo, a construção desse tipo de embarcação leva cerca de três meses e a vida útil dela é de dois anos.

"Depois, devido ao contato com a água, a totora começa a se deteriorar", afirma.

Aos poucos, com o cair da noite, o silêncio quebrado pelos turistas volta a tomar conta da região e as primeiras estrelas começam a despontar no horizonte, sem deixar nenhuma dúvida sobre o porquê de os incas considerarem esse um lugar sagrado.

 

SERVIÇO

COMO CHEGAR A PUNO

De São Paulo

Para chegar diretamente a Puno saindo de São Paulo, o turista deve comprar um voo para Juliaca (que fica a cerca de uma hora de carro da cidade). É necessário fazer conexão em Lima. Uma passagem de ida e volta, entre 17 e 21 de novembro, pela companhia Latam, custa R$ 1.148 (mais taxas).

 

De Cusco

A partir de Cusco, a empresa Turismo Mer (turismomer.com) oferece dois tipos de passagem de ônibus para o trajeto. O primeiro, direto, leva sete horas e sai por US$ 25 (R$ 82); o segundo, que inclui quatro paradas em atrações turísticas pelo caminho e almoço em restaurante estilo bufê, demora dez horas e custa U$45 (R$ 147).

 

COMO CHEGAR ÀS ILHAS

Já em Puno, o turista deve seguir de barco até as ilhas.

Na agência Incalake (incalake.com), o passeio (com guia em espanhol e inglês) custa US$ 14 (R$ 46), se feito de manhã, e US$ 28 (R$ 91,50) na parte da tarde.

Nas ilhas, o viajante pode também passear nas embarcações típicas dos uros, mas é preciso pagar, diretamente a eles, mais R$ 15.

 

HOSPEDAGEM

Quem quiser pode pernoitar nas ilhas flutuantes. Uma diária em quarto duplo, com banheiro compartilhado, na ilha-hotel Uros Aruma Uro (urosarumauro.com) custa US$ 79 ( R$ 258,50).

Na cidade de Puno, é possível reservar um quarto um pouco mais confortável pelo mesmo preço. No três estrelas Sol Plaza Hotel (solplazahotel.com), o apartamento duplo custa US$ 80 (R$ 262).

 

ALIMENTAÇÃO

Um almoço no hotel Uros Aruma Uro, com truta, arroz e legumes refogados, sai por US$ 10 (R$ 34).

Para comer um menu turístico (que inclui entrada, prato principal e sobremesa), no centro de Puno, nas proximidades da turística Plaza de Armas, o turista desembolsa aproximadamente US$ 7,50 (R$ 24,50).


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