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13/08/2017 às 05h38min - Atualizada em 13/08/2017 às 05h38min

Renata Sorrah: uma militante da arte

Atriz consagrada na TV e no teatro estreia em palcos uberlandenses em curta temporada na próxima semana

ADREANA OLIVEIRA | EDITORA
Renata Sorrah em uma das 10 cenas de “Esta criança” / Foto: Sandra Delgado/Divulgação

 

A repórter liga no horário marcado. Um imprevisto. Vinte minutos depois outra tentativa e simpática, com aquele vozerão forte que o Brasil inteiro conhece, Renata Sorrah atende à reportagem do jornal Diário do Comércio. É como se a interlocutora a conhecesse há anos. E de certa forma, conhece. Afinal, quase cinco décadas dos bem vividos 70 anos de Renata Sorrah foram dedicados à arte de atuar. E mesmo assim, com a empolgação de uma iniciante, ela fala da expectativa da estreia em Uberlândia. “Estou muito feliz por chegar até vocês, demorou!”.

Entre os dias 18 e 20 de agosto ela se apresenta ao lado da Companhia Brasileira de Teatro com o espetáculo “Esta Criança”, no Teatro Municipal de Uberlândia. O texto original é do francês Joël Pommerat e a direção de Márcio Abreu. Este é o terceiro trabalho da atriz com o grupo curitibano ao qual ela não poupa elogios. Em cena, ela, Edson Rocha, Giovana Soar e Ranieri Gonzalez dividem-se em 22 personagens para viver situações independentes que tratam de morte, solidão, adoção e violência.

Premiada por seus trabalhos no teatro e na televisão, onde deu vida a personagens marcantes como Heleninha Roitman (“Vale Tudo”) e a inesquecível Nazaré Tedesco (Senhora do Destino), Renata Sorrah está sempre em busca da excelência e sua entrega aos personagens sempre tem o mesmo peso, muda um pouco de acordo com o veículo – teatro, TV ou cinema. Ela conversa com a gente sobre “Esta Criança”, comportamento do espectador no teatro, dá dicas de leitura e um pouquinho sobre política.

 

JORNAL DIÁRIO DO COMÉRCIO: Você tem uma carreira que podemos definir como irretocável. Um comprometimento com a sua arte que faz jus ao que chamamos de monstro sagrado da arte brasileira. É até difícil acreditar que demorou mais de quatro décadas para Uberlândia receber um espetáculo seu.

RENATA SORRAH: Obrigada! Pra mim é um prazer chegar a Uberlândia com esse espetáculo tão maravilhoso e intenso que estreamos em 2012. Escolheram bem porque é uma produção boa, profunda e bonita ao mesmo tempo. Já ganhamos vários prêmios com “Esta criança”, que marca o início de uma linda parceria minha com a Cia Brasileira de Teatro.

 

E como surgiu essa parceria?

Estava em um projeto com o Márcio Abreu (diretor do espetáculo), no Rio de Janeiro, e falávamos sobre fazer alguma coisa juntos. Ele queria que eu conhecesse essa companhia, da qual ele gostava muito, e quando eu vi, falei: “Que grupo maravilhoso”. E foi o autor francês Joël Pommerat que nos uniu. A partir daí fluiu tudo de forma tão intensa que já estamos em nosso terceiro projeto juntos. “Esta criança” foi o primeiro e estamos com a equipe original novamente na estrada, não tem como mudar.

 

Pelo que li sobre o espetáculo ele é bem tenso, drama no mais puro sentido da palavra. Fale um pouco dessa adaptação do poderoso texto poderoso de Pommerat, considerado um dos autores contemporâneos mais atuantes não só na França como em várias partes do mundo.

É um texto lindo e muito forte. A gente tem dez cenas sobre relações familiares, que são como espelhos. É um grau tão acirrado de tensão que quando as luzes se acendem sobre o palco o clima já está pegando fogo. A cena já entra em um grau tão nervoso que solta faíscas, não tem uma curva, quando iniciamos a primeira cena a peça já está no seu auge. São relações fortes entre pais e filhos e mesmo quem não tem filhos é filho de alguém, por isso temos uma abrangência boa de público. O elenco se desdobra em 22 personagens que representam as mães e as crianças que existem dentro de cada um.

 

Tanta dedicação, entrega, tanto cuidado para, de repente, estar no meio de uma cena e ser interrompido por o toque de um telefone celular, por um flash, ou simplesmente pelo brilho da tela de um smartphone. Como vocês têm percebido o comportamento das plateias neste sentido?

É um problema! Gente, não pode deixar o celular ligado dentro do teatro. Atrapalha demais, desde quem está sentado próximo à pessoa que utiliza o dispositivo até o artista no palco. A gente vê absolutamente tudo na plateia. É tão prazeroso você sair para assistir alguma coisa e desligar tudo, se entregar de corpo e alma ao que está sentindo e não se dividir em outra coisa. Um smartphone é tudo de bom, ajuda muito no nosso dia a dia mas não deve ser usado numa sala de espetáculos. No teatro não tem como você apertar a tecla pause e naquele momento em que nos assiste você pode ter certeza que estamos oferecendo o melhor de nós.

 

Estamos num momento muito propício para discutir as relações humanas. Você começou sua carreira em São Francisco, na Califórnia, entre 1964 e 1967, em uma época de conquistas de direitos civis, o movimento hippie, aquela busca pela paz e pela liberdade. Atualmente, parece que a humanidade retrocede em alguns pontos, concorda?

Sim. O que eu penso hoje em dia é que muitas coisas retrocederam. O mundo deu uma guinada para a direita. Mas vamos falar do Brasil, do Rio de Janeiro, minha cidade que infelizmente está quebrada. No Brasil culturalmente a gente tem que fazer uma força para andar para frente e fazemos isso por sabe que a arte, a cultura, o teatro salvam. Temos que fincar o pé e trabalhar, trabalhar e trabalhar para nos mantermos de pé e atuantes.

 

É uma luta árdua. Você vislumbra ainda aquela luz no fim do túnel?

Para sair dessa lama, eu sinto que tem dois movimentos puxando o Brasil pra frente: o negro e o feminista que buscam entendimento e abertura para, quem sabe, outros movimentos também se firmarem. Eles evoluem enquanto a economia e a política, por exemplo, andam para trás.

 

Você começou no teatro e depois construiu uma carreira longa e elogiada também na TV. Tem alguma particularidade quando se prepara para uma temporada nos tablados?

O teatro é o começo de tudo quando o assunto é atuação, é o começo de tudo para o ator. No teatro tudo é diferente, teatro tem o público, um ritual todas as noites que todo mundo pensa que é igual mas não é. Nossa estreia em Uberlândia será diferente de nossa estreia no Rio em 2012, apesar de dizermos as mesmas palavras. Vai ser totalmente diferente porque o mundo mudou em cinco anos e estas diferenças estão na nossa voz, no nosso entendimento de mundo. O teatro é vivo, concreto, durante o tempo que fazemos nos aprofundamos no texto, nos personagens, eles se enriquecem com o tempo.

 

Para a TV a dinâmica é outra? A entrega ao personagem é diferente?

Na TV temos menos tempo para preparar um personagem e em contrapartida temos sete, oito meses para praticar, para construir a trajetória deste personagem que também é algo interessante de se fazer. No teatro você já sabe tudo sobre o personagem e na TV, todo início de semana, quando entregam o roteiro com as cenas, ao abrir aqueles seis envelopes é um frisson. Tudo pode mudar de um dia pro outro. É até divertido, a gente aprende a lidar com isso.

 

Se não me engano você 13 filmes no currículo, e diz que fez pouco cinema...

Cada veículo - TV, teatro e cinema – tem suas particularidades e o cinema...ah, o cinema... é maravilhoso e considero que fiz pouco até hoje, menos do que gostaria. Adoro a produção mais elaborada, a construção da história. E olha que agora o Brasil tem feito minisséries maravilhosas, que não perdem para produções norte-americanas, por exemplo, e eu estou adorando isso! Temos o know how das telenovelas, artistas excelentes, de primeira qualidade e creio que vai dar muito certo, surgirão cada vez mais produções nesta linha.

 

Sua agenda é bem apertada e ainda cumpre suas tarefas de mãe, avó amiga...e no meio de tudo isso ainda acha tempo para ver seriados, ler alguns livros?

Sim, encaixo tudo isso e com muita alegria. Aliás, estou lendo dois livros que gostaria de indicar para os uberlandenses. O primeiro é o do Lázaro Ramos, “Na minha pele” (Ed. Objetiva, 152 páginas, R$ 34). O outro é da Ana Maria Gonçalves, “Um defeito de cor” (Ed. Record, 952 páginas, R$ 99).

 

Tem algum projeto novo já engajado para os próximos meses?

Estamos neste giro com “Esta criança” até o final do ano e trabalhamos ainda na produção de um outro trabalho. Já fomos para a Alemanha como parte da pesquisa. O espetáculo é “Preto” e fala sobre racismo, sobre como se colocar no lugar do outro. Continuaremos o processo em Santos, ensaiaremos em São Paulo e no Rio de Janeiro e estrearemos em um novo Sesc em São Paulo, o Campo Limpo.

 

Quem sabe, “Preto” não chega Uberlândia? Assim, não ficaríamos muito tempo sem te ver por aqui. Para encerrar, como você definiria Renata Sorrah por Renata Sorrah?

Nossa! Isso eu não sei de jeito nenhum, não faço ideia! (risos)

 

SERVIÇO

O espetáculo “Esta criança”, com Renata Sorrah e Companhia Brasileira de Teatro será encenado nos dias 18, 19 e 20 de agosto, às 20h30 no Teatro Municipal de Uberlândia. Os ingressos custam R$ 40 (meia-entrada) e R$ 80 (inteira) e estão à venda pelo site www.megabilheteria.com ou na Concessionária Toyota Futura (Av. João Naves de Ávila, 4565) e Loja Mangini (Uberlândia Shopping).


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