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17/10/2019 às 08h00min - Atualizada em 17/10/2019 às 08h00min

Esse não é um plano de segurança pública

CLÁUDIO DI MAURO | GEÓGRAFO DOCENTE NO IG/UFU

Não é anticrime, muito menos plano de segurança pública o pacote enviado pelo ministro Sérgio Moro e que está tramitando na Câmara dos Deputados. Se aprovado na Câmara será encaminhado ao Senado Federal. Ressalte-se que há outros projetos tramitando com a mesma temática, alguns já anexados conforme prática legislativa.

O assunto mexe com interesses dos brasileiros e por isso, muitas pessoas, inclusive não juristas, como é o meu caso, se dedicam a conhecer o conteúdo para formar “juízo de valor”. Claro está que sempre é necessário o embasamento em abordagens de autoridades jurídicas nas quais se confia.

Trata-se de um projeto que em rigor estabelece condições para aumentar os tempos de penas e quantidades de prisioneiras (os), bem como modificar importantes questões materiais e formais na legislação penal. As prisões brasileiras estão abarrotadas de presidiários e o “projeto Moro” não apresenta uma abordagem que reorganize o sistema prisional. Tais presídios são verdadeiras escolas do crime onde convivem marginais que são capazes de dirigir práticas do crime em ambientes internos e externos.

Um verdadeiro pacote de Segurança Pública precisaria abranger entre outros temas, a reforma do sistema prisional ao mesmo tempo em que deveria estabelecer condições justas para prisão. Além disso, é indispensável encontrar caminhos para a agilização das tramitações judiciais. A atual morosidade da justiça resulta nas improvisações e com isso estimula a extrapolação da Lei. Isso é inteiramente condenado pelas pessoas que defendem o cumprimento do Estado Democrático de Direito.

O ministro Moro quer a aprovação da prisão para pessoas condenadas em segunda instância, sem que haja a completa tramitação dos processos criminais. Esse ponto possivelmente tira seu sono. Afinal ele pensou que poderia prender e soltar as pessoas a seu “bel prazer”. Mandou para as cadeias, dezenas de pessoas julgadas apenas em segunda instância, aumentando a demanda de vagas nos presídios. Trata-se de prisão sem que o processo esteja concluído e julgado em última instância, conforme determina a legislação ancorada na Constituição Federal e no Código de Processo Penal – CPP. Ao propor uma alteração legal para que se permita tal prática já adotada, há a confissão tácita da inexistência no Brasil de respaldo legal para a prisão mediante mera condenação em segunda instância.

A Constituição cidadã no inciso LVII do artigo 5º determina que: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ora, como alguém poderá ser trancafiado em uma cela se ainda não é considerado culpado das acusações que lhe estão sendo imputadas?  O CPP redige em seu Artigo. 283 que “...ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.” (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). Em última análise precisa haver o trânsito em julgado com sentença condenatória, para que possa ocorrer a prisão do réu.

O ministro da Justiça está ansioso para aprovação do “seu” Projeto de Lei, objetivando a resolução de problemas que ele próprio criou com tais prisões estabanadas e ilegais. Como o assunto se encontra nas mãos do Supremo Tribunal Federal para haver uma interpretação constitucional, Moro suspeita que há risco de não ser contemplado em seus interesses e por isso joga muitas esperanças e seu “peso político” na aprovação do Projeto de Lei que forjou exatamente para lhe dar guarida.

Ocorre que Moro e também o presidente Bolsonaro têm perdido aliados na Câmara dos Deputados enfraquecendo a possibilidade de aprovação do projeto original. Tanto é assim que foi retirada do texto original a chamada excludente de ilicitude pela Comissão Especial que analisou o projeto. Entenda-se por isso o que está previsto no artigo 23 do Código Penal Brasileiro que destaca e protege as práticas de crimes em situações nas quais se configuram “...estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito”. A retirada desse dispositivo foi sustentada pela possibilidade de se constituir, se aprovado, num “salvo conduto” para que ocorram mortes arbitrárias, volta e surgimento de “esquadrões da morte” e crimes praticados aleatoriamente por representantes do Estado.

Trata-se, salvo melhor juízo, de um Projeto de Lei preparado de maneira estabanada, sem o devido esmero capaz de promover o bem comum, mas no nosso entendimento, como foi apresentado, permite a suspeição da existência de interesses sub-reptícios, especialmente para manter presos desafetos que foram encaminhados para situação prisional. Nessa situação de risco não se encontra apenas o ex-presidente Lula.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.





 

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