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23/02/2023 às 08h00min - Atualizada em 23/02/2023 às 08h00min

Catástrofes que são crimes socioambientais

CLAÚDIO DI MAURO
No ano de 1950 o Professor Aziz Ab´Sáber estudou o Sitio Urbano de São Paulo, demonstrando os problemas que seriam ocasionados pela ocupação das margens e do vale do rio Tietê, bem como do rio Pinheiros. Tais estudos resultaram em sua Tese de Doutorado, devidamente publicada.

É possível que pontos específicos dessa tese tenham sido considerados em algumas circunstâncias, inclusive para definir a necessidade de que as Planícies e os Terraços Fluviais fossem transformados em Áreas de Preservação, como forma de manter e ajudar na vazão dos cursos de água. A não ocupação dessas áreas seria importante para evitar catástrofes que viriam a seguir. Tais catástrofes vieram e estão submetendo milhões de pessoas que habitam e circulam pelas cidades da Região Metropolitana de São Paulo.

Significa, com absoluta convicção, que os estudos técnicos e científicos não são considerados, conforme seria necessário para produção dos territórios com as ocupações dos espaços. São “espaços vazios” que devem assim ser preservados para que os rios e as águas pluviais ocupem nos períodos de chuvas. Ou seja, o rio pede de volta para si, as áreas que lhe foram subtraídas pelas atividades socioeconômicas. Não há uma relação entre o sistema econômico com o objetivo de se relacionar harmonicamente com os demais componentes da natureza. Há sim a estúpida intenção de se sobrepor e dominar a Natureza.

Essas catástrofes são causadas como resultantes do sistema de produção capitalista. A terra tem valor de troca e funciona como mercadoria. A produção econômica, nessas terras, é realizada para atender a ganância econômico financeira de seus proprietários, das incorporações imobiliárias e do sistema financeiro. Esse é o modelo vigente. Um sistema em que os seres humanos não são prioridades e sim a acumulação de poder e capital.

Na luta de classes se verifica que para a maioria da população, especialmente para os subalternizados, são deixadas para ocupação as áreas sujeitas aos riscos e impactos catastróficos.

Catástrofes, resultantes desses crimes socioeconômicos-ambientais, se repetem com absoluta constância no Brasil. Seja na construção das cidades e dos sistemas de comunicação de transportes, seja no modelo de urbanização, praticado no Brasil, as catástrofes tidas como ambientais se repetem cada vez com mais constância e maiores impactos.

No ano de 1967 ocorreram eventos na Serra do Mar, afetando diretamente a região de Caraguatatuba. Foram catástrofes estudadas pela Tese de Doutorado da Professora Olga Cruz, saudosa geógrafa da Universidade de São Paulo.

Tenho o imenso orgulho de ter sido recebido na USP pelo Professor Ab’Sáber para realizar meu Mestrado, posteriormente o Doutorado, tendo como orientadora a Professora Olga Cruz. Tive oportunidade de acompanhar as pesquisas de Olga Cruz na Serra do Mar. Ali ficaram confirmadas as condições naturais para acontecimentos de catástrofes geoambientais (esse conteúdo poderá merecer uma abordagem específica) . Contudo há nítida demonstração de que o modelo de ocupação dessas áreas acelerou os processos naturais e acrescentou outras variáveis. O modelo de ocupação na Serra do Mar e também no litoral foram fundamentais para as catástrofes conhecidas.

Houve quem pretendesse atribuir tais sofrimentos socioambientais para ações antrópicas, humanas. Ou seja, ação das pessoas humanas, portanto indivíduos. Contudo, é importante se reconhecer que tais impactos foram gerados sim pelas condições naturais, mas aceleradas por procedimentos socioeconômicos, gerados nos processos de uso e ocupação dos territórios. Não se tratam de ações individuais.

É também importante nos fundamentarmos no saudoso geógrafo Milton Santos ao reconhecer que o território é construído em função das relações de poder nele estabelecidas.

Agora, nestes momentos, estamos vivendo uma nova fase que afeta a Serra do Mar, com predominância dos impactos gerados no Litoral Norte do Estado de São Paulo. O Município de São Sebastião e as rodovias que ligam Santos aos Rio de Janeiro, Mogi Guaçu, por exemplo, estão amplamente afetadas. Trechos interrompidos por movimentos de massas com escorregamentos de encostas, corridas de lama e avalanches. Centenas de casas escorregaram pelas encostas ou foram ocupadas por água e lama. Centenas de mortes e centenas de pessoas desaparecidas. E não adianta reconstruir casas nos mesmos locais ou em situações do mesmo risco.

Mais um conjunto de catástrofes produzidas pelo sistema de reprodução do capital. Ainda teremos muitos outros desastres criminosos que virão pela frente.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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