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03/09/2019 às 08h19min - Atualizada em 03/09/2019 às 08h19min

30 anos depois

NANDO LOPES

Um trabalho musical visivelmente poético em um dos vários períodos conturbados da política brasileira. Assim foi recebido pela crítica musical especializada, no segundo semestre de 1989, o lançamento do disco “As Quatro Estações”, quarto long play (LP) da banda Legião Urbana. “Alguns erros são de propósito, outros não”, assinalou Renato Russo no encarte do disco que vendeu 730 mil cópias em um ano.

Formada no início dos anos 1980, após a saída de Renato Russo da banda Aborto Elétrico, a Legião Urbana já era conhecida do público por várias músicas, entre elas as faixas de trabalho “Será”, “Geração Coca-Cola”, “Índios”, “Eduardo e Mônica”, “Faroeste Caboclo” e “Que país é este”. As letras das canções entoadas pela banda nos anos 1980 tratavam temas comuns ao noticiário da época, como a violência, a corrupção na política brasileira, as desigualdades sociais e o consumismo.

Foi então que, durante as ondas de polarização políticas e eleitorais no ano de 1989, o LP “As Quatro Estações” foi lançado com composições musicais ainda mais intimistas que o habitual. Narra o escritor Arthur Dapieve, no livro “Renato Russo, o trovador solitário”, as palavras ditas por Renato Russo no lançamento do disco, em 1989: “Elas [a composição das letras das músicas] demoraram porque eu tinha que tirar Brasília do meu sistema”. Afirmou ainda Renato: “Tem que existir o caminho da iluminação, em que você não se destrói”, referindo-se às temáticas mais existenciais que teriam os versos das canções do novo LP. Contrariando as críticas pontuais após o lançamento, nove das 11 músicas do disco foram tocadas nas rádios de todo país e a turnê teve excelente repercussão nacional.

Entre as faixas musicais que fizeram sucesso no disco “As Quatro Estações”, a música “Monte Castelo é conhecida por suas marcas intertextuais, com referência ao capítulo 13 da epístola de Paulo, Coríntios I, em que trata o amor nos versos: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens/ E falasse as línguas dos anjos, sem amor, eu nada seria”. A música também faz referência à poesia de Luís Vaz de Camões nos versos do “Soneto 11”: “O amor é o fogo que arde sem se ver / É ferida que dói e não se sente/ É um contentamento descontente/ É dor que desatina sem doer”. A música também traz elementos referenciais de Láo-Tsé, da China antiga.

“As Quatro Estações” ainda tem outras canções de sucesso, como é o caso de “Pais e Filhos”, “Meninos e Meninas” e “Quando o sol bater na janela do seu quarto”, “Há Tempos” e “1965 (Duas Tribos)”. Com o refrão memorável “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, a canção Pais e Filhos traz em seus versos um retrospecto subjetivo das relações familiares: a espera por um filho, os primeiros anos de infância e a falta de compreensão entre os componentes de uma mesma família. Renato Russo chegou a dizer em um programa televisivo dos anos 1990, que a música reflete um momento triste em sua vida que ele preferia não lembrar. Já a faixa musical “Meninos e Meninas”, em tom de liberdade e entre tantas coisas convergentes e adversas a tudo que é pré-estabelecido socialmente, traz o refrão “e eu gosto de meninos e meninas”.

Ainda hoje percebo a atemporalidade da produção musical da Legião Urbana, que tanto anima fãs saudosos que acompanham a produção musical da banda desde a década de 1980- 1990, como também têm angariado novos fãs em torno dos versos compostos por Renato Russo. Trinta anos após o lançamento de “As quatro estações”, eu pressinto que ainda não conseguimos superar alguns temas políticos e sociais no Brasil, como também questões existenciais presentes nas letras das canções de “As quatro estações”. Neste aspecto reside o legado atemporal dos versos escritos por Renato Russo. Encontrar o caminho da iluminação ou, quem sabe, um fio de esperança a nos iluminar nos dias mais difíceis. Confiamos, há de ter o caminho.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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