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04/07/2019 às 08h49min - Atualizada em 04/07/2019 às 08h49min

Olhos cegos??

IVONE GOMES DE ASSIS

Neste ano, por diversas vezes, li sobre o assombroso número de suicídios, no mundo. Uma pesquisa da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) informou que, embora tenha, no geral, baixado o índice mundial de suicídios, a incidência entre adolescentes dos grandes centros urbanos brasileiros teve um triste aumento de 24% entre os anos de 2006 a 2015. Segundo a Revista Brasileira de Psiquiatria, que publicou esta matéria, a incidência de suicídios entre jovens do sexo masculino é três vezes maior.

A Chasing the Stigma expôs 226 pares de calçados infantis nos degraus do St. George's Hall, em Liverpool, para representar as crianças que tiraram a própria vida em 2017.

Instituições diversas e a sociedade em geral questiona “de quem é a culpa?”. As respostas, dentre várias, geralmente apontam para a falta de investimento governamental, o que não é falso. Mas não só. Uma multidão de pessoas, inclusive crianças, anda sob o estigma que ronda as doenças mentais. São fatos muito tristes, verdadeiros e monstruosos. Creio que é necessário mais cuidado familiar e social. É preciso ler os sinais, ler os olhos, ler o coração. É necessário descobrir a causa de tanto infortúnio.

Preocupada com este caos, lembrei-me do livro “Epidemia secreta”, de Pedro Gontijo. Nesta obra o autor arranca o leitor da zona de conforto, e convida a todos a uma reflexão sobre o abuso sexual infantil. Este horrendo episódio acontece em muitos lares. E muitas são as vítimas que, revoltadas e sem saber o que fazer, dão cabo da própria vida.

Na obra “Epidemia secreta”, o narrador, um experiente jornalista, abre uma discussão para a Síndrome de Borderline: “– As pessoas com essa síndrome têm medo de que as emoções fujam do seu controle, demonstrando tendência para se tornarem irracionais em situações de maior estresse e criando uma grande dependência dos outros para conseguirem estar estáveis. Em alguns casos mais graves, pode ocorrer automutilação e até suicídio, devido à essa enorme sensação de mal-estar interior.” (Gontijo, 2019, p. 26).

Mas, em seguida, o jornalista encontra uma necessidade maior e mais imediatista: “O abuso sexual infantil”. Ele só não esperava que uma certa pessoa fizesse parte deste ranking de situações extremas. “– Olha, Lagoa, não temos dados para dimensionar bem o quanto é comum crianças serem sexualmente abusadas. Partindo da minha experiência clínica e dos meus colegas que tentam estudar este assunto, que é um verdadeiro tabu, a maioria dos casos de abusos sexuais infantis acontecem dentro da própria família e a própria família encobre, finge não existir, invalida as versões das vítimas, e acabamos por não conseguir dimensionar o quão comum esses acontecimentos são. A própria vítima demora muito a entender que foi vítima e, muitas vezes, não alcança esta compreensão. Mas, acredite, acontece muito! No meu consultório, deparo-me com estes casos com uma frequência impressionante. Eu acredito que possa ser uma epidemia mais letal e espalhada do que os surtos históricos de Dengue ou Aids que presenciamos”. (Gontijo, 2019, p. 38).

A narrativa expõe muitas situações de conflitos e abusos, com crianças (hoje adultos), de ambos os sexos, de todas as classes sociais. E dentre tantas tragédias, nasce aí, uma história de amor, com laços de confiança e compromisso.
O autor não deixa dúvidas, se houvesse mais atenção da sociedade em geral, muitas crianças seriam protegidas, e se houvesse um investimento efetivo do Governo Federal, em segurança, serviço social, conscientização... a fim de que os cidadãos se descubram protegidos e motivados a aprender o melhor, o mundo seria menos preto e branco. É necessário olhar para além do óbvio, a fim de enxergar o próprio entorno. O mundo vive uma verdadeira Epidemia Secreta.

Como muito bem escreve Marcelo Macário (2010, p. 17), em sua obra “Reticências”, o refrão de sua canção Tato, “Do que servem milhares de olhos cegos?!”.


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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