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20/12/2018 às 09h10min - Atualizada em 20/12/2018 às 09h10min

Bárbaro espetáculo

IVONE GOMES DE ASSIS
A vida está mais para um baile de máscaras. Nos últimos anos, o mundo tem assistido, incrédulo, à loucura humana nos mais diversos segmentos. Se a vida fosse um filme, diria que as cenas são de terror. Neste ano, o Prêmio Nobel de Literatura ficou em risco devido a um terrível escândalo sexual. O Disney Channel demitiu seu ator Stoney Westmoreland, preso, acusado de pedofilia. Abadiânia estampou os jornais com as denúncias de abuso sexual de João T. de Faria contra muitos de seus fiéis. Segundo a TV Anhanguera, o MP recebeu, até agora, 509 denúncias de mulheres que sofreram abuso do acusado conhecido como João de Deus.
Outra cena que abalou “o filme” foi a insanidade do casal visitante, Alexandre C. de Jesus e Danielle C. dos Santos, que, em um surto de estupidez, agrediram a um garotinho de Feira de Santana, na Bahia, que passava férias em Brasília. A causa não poderia ser mais banal: um esbarrão involuntário, durante uma brincadeira de crianças. Não obstante, o pai ordenou ao filho que esbofeteasse o coleguinha.

Ainda assim, recuso-me a crer que não haja bondade nas pessoas. Prefiro acreditar que é um tufão, o qual passará, deixando marcas... cicatrizes profundas, mas passará.

Carlos Drummond de Andrade, no final da década de 1930, escreveu: “Os ombros suportam o mundo / Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. / Tempo de absoluta depuração. / Tempo em que não se diz mais: meu amor. / Porque o amor resultou inútil. / E os olhos não choram. / E as mãos tecem apenas o rude trabalho. / E o coração está seco. // Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. / Ficaste sozinho, a luz apagou-se [...]. / És todo certeza, já não sabes sofrer. / E nada esperas de teus amigos. // Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? / Teus ombros suportam o mundo / e ele não pesa mais que a mão de uma criança. / As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios / provam apenas que a vida prossegue / e nem todos se libertaram ainda. / Alguns, achando bárbaro o espetáculo / prefeririam (os delicados) morrer. / Chegou um tempo em que não adianta morrer. / Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. / A vida apenas, sem mistificação”.

Embora escrito na década anterior, foi durante a Segunda Guerra Mundial, que o poeta deu identidade a este poema, fazendo-o parte da antologia “Sentimento do mundo”. De lá para cá, já se passaram quase oito décadas e o filme parece ter apenas trocado de atores e de espectadores. A condição social continua debilitada, o mundo se mantém partidário e repleto de aflição.

"O coração está seco", sem amor; a vida, cada vez mais, solitária; os amigos já não fervilham emoções; quase já não se serve o chá das cinco, para o bate-papo entre amigas; nem sequer, lota-se a varanda, com amigos, para contar causos ou confidenciar segredos. Em tempos tão cruéis, apinhados de violência e destruição, parece que as únicas sementes semeadas têm sido as de incertezas e de solidão. A rotina trouxe certa indiferença, um ponto de fuga. Assim, os dias vão se abreviando em trabalho, rede social, silêncio, solidão, extremismo, desamor, ego e sobrevivência.

O poeta, em meio a tanto pessimismo, ainda encontra um fio de esperança no amanhã, a "mão de uma criança". Então, se de um lado o poeta questiona o envelhecer – “Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?” –, do outro, acredita no futuro, na nova geração que surge. Esse turbilhão do tempo, na mescla do nascer e do envelhecer insiste em dizer que o ciclo da vida não para.

E foi neste confuso ciclone que um grupo de ciclistas levaram, na semana passada, a esperança aos moradores da periferia de Petrolina (PE), realizando o sonho de pessoas, de todas as idades, em aprenderem a andar de bicicleta, para que pudessem sentir o vento da liberdade bater em seus corpos.

Por isso, neste bárbaro espetáculo, não podemos esmorecer, por mais que a realidade diga que a vida está mais para um baile de máscaras.
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