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28/06/2022 às 19h28min - Atualizada em 28/06/2022 às 19h28min

Orgulho LGBTQIA+: conheça a história de personalidades que inspiram e lutam pela representatividade em Uberlândia

Em reportagem especial, o Diário de Uberlândia conversou com pessoas que convivem com o preconceito e batalham pelos direitos da comunidade

SÍLVIO AZEVEDO | DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Tico Farpelli é autor de três livros voltados ao público LGBTQIA+ | Foto: Divulgação

Nesta terça-feira (28) é comemorado o Dia Mundial do Orgulho LGBTQIA+, uma data que marca a luta de milhões de pessoas por reconhecimento e igualdade. Em uma reportagem especial, o Diário de Uberlândia conversou com personalidades da cidade que inspiram e batalham pelos direitos da comunidade. 

Gustavo Antônio Raimond é médico, com diversos títulos e especializações na carreira. Professor Adjunto do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), ele assumiu a homossexualidade ainda quando fazia graduação e enxerga a decisão com um grande desafio superado, visto a formação da cultura homofóbica, no sentido de que a sociedade esperarava  que ele assumisse um papel de um homem hétero e cis. 

“Quando assumi, eu ainda estava na graduação e existia o medo pelas próprias brincadeiras, pelas questões que vimos, de sofrer mais violências. Quando assumi, algumas questões de curiosidades foram respondidas e outras pessoas começaram a se aproximar, no sentido de ver uma representatividade. Ao mesmo tempo, ao assumir escancarou outros preconceitos que estavam velados.”.

Devido a sua orientação sexual, Gustavo sofreu com os preconceitos e com a violência de gênero. Felizmente, não foi vítima de agressões físicas, mas sim de piadas e outras situações dentro do curso de medicina.

“Nossa cultura acaba reiterando que o cômico é possível. Mas ele é agressivo e violento para vários grupos marginalizados, incluindo a população LGBTQIA+. Uma série de situações ocorreram na formação em saúde, ditas por profissionais, por professores. Isso ocorria e, infelizmente, ainda acontece”.

Atualmente, existe uma preocupação da UFU para acabar com o preconceito estrutural, muitas vezes instalado dentro das estruturas universitárias. Mas, nem mesmo o currículo com diversos títulos e especializações evitou que Gustavo presenciasse situações de homofobia.

“Dentro do ambiente profissional já vivenciei homofobia. A questão dos títulos pode gerar um certa proteção ou prestígios, se pensarmos na universidade como um todo, mas não nos blindam da homofobia, muitas vezes, instalada em várias estruturas universitárias. Um dos debates que a universidade tem feito sistematicamente nos últimos anos é sobre essa violência estrutural. Não só para a população LGBTQIA+, mas para a população negra, pessoas com deficiência e outros grupos marginalizados”.

O professor também reitera que a comunidade LGBTQIA+ vem conquistando seus espaços dentro da sociedade, mas não porque foram dados, e sim devido à luta histórica para que os direitos humanos sejam reiterados e as diferenças próprias de cada um sejam respeitadas.

“Percebo que há uma vocalização maior. As pessoas conseguem entender mais sobre essas demandas do que há um tempo. Ao mesmo tempo vemos dificuldades dentro do movimento para pensar em um movimento cada vez mais forte. O contexto político atual é bastante desafiador, mas seguimos na resistência”. 

POLÍTICA
Gilvan Masferrer nasceu em Buritizeiro, norte de Minas Gerais, mas mora em Uberlândia há 29 anos. Assumiu a transexualidade ainda criança, aos nove anos. “Foi natural, de uma maneira que minha mãe acabou descobrindo. Eu já nasci com a tendência de ser um homossexual, já brincava de boneca, tinha tendência de gostar de coisas femininas. E aí, aos nove anos cheguei a falar para minha família que eu era homossexual”. 

Vivendo em uma sociedade machista e cheia de preconceitos, a vida de Gilvan foi de muitas dificuldades. “Sofri preconceitos tanto na escola quanto na vida profissional, onde não dão espaço, não nos dão visibilidade, não nos conhecem e reconhecem enquanto mulher. Nós sofremos preconceito em todos os lugares e a todo momento as pessoas tentam nos invisibilizar”.



Em 2013, quando trabalhava como assessora parlamentar, foi vítima de tortura física enquanto voltava para casa. Os agressores usaram pedras e paralelepípedos durante a ação. Na época, Gilvan ficou em estado grave e se recuperou, mas as sequelas permanecerão para sempre.

“Perdi 26 dentes, 3% de massa encefálica e um rim. Fiquei com 48 kg, pois peguei infecção hospitalar. Naquele momento eles roubaram meu celular e, a todo tempo, me xingavam. Me torturaram. As pedradas me deixaram com traumatismo craniano e quebraram meu maxilar. Meu rosto foi todo massacrado e atualmente é todo de platina. Dessa maneira eu tenho seguido. É muito difícil resistir todos os dias, porque eu, enquanto vítima de transfobia, sobrevivi. E os outros que morreram?”, relatou. 

Sete anos depois, Gilvan Masferrer foi candidata e eleita vereadora de Uberlândia, com 1.347 votos. É a segunda vereadora trans a assumir um mandato no legislativo municipal. A primeira foi Pâmela Volp, eleita em 2016, mas que acabou cassada em 2020 por causa das denúncias de mau uso da verba indenizatória.

“O nosso movimento, graças a Deus, tem ganhado espaço e tem aberto portas. Nós temos pressa. Queremos ser vistas o mais rápido possível. Queremos nossos direitos garantidos. Nós não queremos nada a mais do que precisamos e necessitamos, e não queremos ser tratadas com diferença nenhuma. Nós queremos ser tratados iguais. Mas, infelizmente, nos faltam muitas oportunidades. Eu falo a mensagem que a comunidade LGBTQIA+ tem talento, mas ela não tem oportunidade, e oportunidade é o que nos falta”. 

LITERATURA
O jornalista Tico Farpelli é autor de três livros voltados ao público LGBTQIA+, intitulados "Ato Institucional do Ódio", "Um Dia Frio" e "O tempo que nos separa". Assumiu sua homossexualidade no início da década passada que, pra ele, foi um desafio muito turbulento pois, segundo ele, nenhum pai ou mãe tinha muito conhecimento sobre homossexualidade. 

“Isso fala muito sobre a sociedade em que vivemos, que costuma varrer as representações homoafetivas para debaixo do tapete e as resgata convenientemente no mês do orgulho. Hoje, eu vejo algo bem diferente, jovens já têm a possibilidade de sentir orgulho de quem são desde muito cedo. Meus pais são incríveis e, mesmo com o choque inicial, temos um relacionamento muito bom em que eles respeitam as minhas decisões e o que sou em toda a plenitude”. 

A maior dificuldade de Tico foi a autoaceitação. Ele contou que por muito tempo se sentiu excluído das rodas de amigos, o que causou um impacto muito grande na sua autoestima, fazendo com que se fechasse dentro de si. 

“Durante muitos anos, a minha timidez e meu complexo de inferioridade fizeram com que eu não tivesse facilidade em conhecer novas pessoas e fazer amigos. Além disso, me incomodavam pequenos detalhes, como por exemplo: só fui andar de mãos dadas com um menino que gosto aos meus 26 anos por medo de ser agredido e até um pouco de culpa e vergonha que havia sido incutida na minha cabeça, já que a opinião da sociedade é a de que dois homens se relacionarem é algo errado, pecaminoso”.

Assim como muitos LGBTQIA+, Tico não sofreu agressão física, mas nunca deixou de ser vítima da violência de gênero, que, para ele, machuca da mesma maneira. “Os olhares tortos quando ando de mãos dadas com meu namorado, as risadinhas de canto de boca, os comentários, os xingamentos na época da escola. Considero essas violências ainda maiores do que um soco, porque elas ferem a minha dignidade”.

Sobre suas obras, voltadas ao público LGBTQIA+, Tico revelou ser uma atividade recente, mas motivada pela necessidade de se sentir representado dentro das histórias que lia quando era mais novo.

“Há um processo de evolução das narrativas na literatura que começa com histórias em que há uma quase criminalização da homossexualidade, nos colocando como vilões ou alívios cômicos, sempre relegados ao papel de coadjuvante ou figurante. Depois vieram as histórias de autodescoberta, em que havia um sofrimento agridoce em ‘sair do armário’, estas, ainda hoje fazem muito sucesso por ser um processo universal a quem é LGBTQIA+”.

Na sua visão, a literatura atual, principalmente a nacional independente, vem abrindo portas para outros gêneros e narrativas que envolvem estas questões. “É aí que me encaixo, escrevendo histórias fantasiosas e de ficção científica com protagonistas gays. Tento trazer um pouco da minha própria vivência, que não foi sofrida como a de muitos, e acho que esta é minha forma de expressão. De certa forma quero dizer que nós podemos estar em gêneros literários diferentes, podemos ser protagonistas homossexuais e, ainda assim, termos nossas jornadas heróicas. Podemos ser gays e magos, elfos e viajar no tempo”. 

DIA DO ORGULHO
O Dia do Orgulho foi incorporado ao calendário mundial em 28 de julho de 1969, em homenagem aos protestos contra as frequentes ações da polícia de Nova Iorque sobre o Bar Stonewall, que era um ponto de encontro do público LGBTQIA+ da cidade.


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