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10/03/2022 às 18h25min - Atualizada em 10/03/2022 às 18h25min

Moradores da zona rural denunciam falta de transporte escolar para alunos da rede pública em Uberlândia

Problema afeta estudantes de assentamentos Florestã Fernandes, Zumbi dos Palmares e Chácaras Jockey Camping; Município recebeu recurso de R$ 800 mil nos últimos dois anos para garantia do serviço

SÍLVIO AZEVEDO
Município recebeu recurso de R$ 800 mil nos últimos dois anos para garantia do serviço I Foto: SECOM/PMU
Pais de alunos da zona rural e assentamentos de Uberlândia que estudam em instituições públicas denunciam a falta de oferta e precariedade do serviço de transporte escolar. Relatos feitos ao Diário mostram as dificuldades vividas pelos estudantes. Há, inclusive, um caso de um adolescente que desde o reinício das aulas presenciais, retomadas no início de fevereiro, ainda não conseguiu comparecer sequer um dia às atividades por conta da falta do transporte.
 
É a situação vivida pelo filho de Raquel Flávia Ribeiro Silva. O garoto está no primeiro ano do ensino médio e, desde o começo do ano letivo, está ausente das aulas. A família mora no assentamento Florestã Fernandes, na BR-365, ao lado da escola municipal Dom Bosco. O jovem, de 14 anos, conseguiu uma vaga na Escola Estadual de Uberlândia (Museu), que fica no Centro da cidade.
 
“Até hoje ele não foi à escola porque não tem transporte escolar. As vans não estão conseguindo atender os alunos. Eu conversei com um motorista que atende a Escola Municipal Dom Bosco e ele me disse que esse ano aproximadamente 52 motoristas de vans desistiram de trabalhar para a Prefeitura porque ela não faz um reajuste adequado”, revelou a mãe do estudante.
 
Em entrevista ao Diário, Raquel disse que procurou a Prefeitura para relatar o problema e foi informada de que seis motoristas seriam contratados para prestar o serviço de transporte escolar da região. “Me falaram que essa semana iriam contratar seis vans, mas a demanda é para no mínimo para 30 carros. Ou seja, não sabemos até quando a situação vai continuar. Com isso eles estão perdendo conteúdo. Não tem como a escola repor conteúdo para um aluno só. Até hoje ele não foi nenhum dia porque não tem van para escola. Daqui uns dias começam as avaliações e ele vai perdendo com isso”, relatou.
 
Ainda de acordo com a mãe, uma denúncia já foi feita no Ministério Público Estadual (MPMG), mas mesmo assim o problema não foi resolvido. “Só em uma escola da educação básica da zona rural estão faltando oito vans. Isso para minha região. Imagina para o restante da cidade. E para transportar os que estudam na cidade. Então, a Prefeitura está com descaso. Eles não querem reajustar o valor pago aos motoristas por km rodado e é por isso que tantos motoristas desistiram de trabalhar”, disse.
 
Outra mãe que também tem enfrentado problemas é Lidiane Cândida de Almeida Oliveira. Ela tem dois filhos de 10 anos. Ambos moram no assentamento Zumbi dos Palmares e estudam na Escola Municipal Dom Bosco, na zona rural. A distância é de 15 km e, muitas vezes, mesmo com o transporte, os alunos chegam atrasados.
 
“Meus filhos têm que sair às 6h30 da manhã e deixar mais cedo a escola, por volta de 10h30, porque a van faz três viagens e eles chegam em casa 13h. Hoje eles ainda atrasaram porque uma van furou o pneu e eles chegaram um pouco mais tarde”, contou.
 
Em conversa com a reportagem, Lidiane disse que a quantidade de vans que atende a escola é insuficiente e que, com a diminuição no número de veículos e a retirada das linhas de ônibus, atrasos têm sido constantes.
 
“Quando tinha ônibus, antes de retirar, ou mais vans, eles chegavam em casa no máximo 12h, porque sai 11h10. Hoje eles saem 10h30 e ficam no pátio esperando as vans. São sete vans para atender 350 alunos”, revelou.
 
A mãe contou ainda que algumas crianças que moram no conjunto de chácaras Jockey Camping sequer têm ido à aula por falta do transporte escolar. “Sem contar que, agora, tem região lá, igual no Jockey Camping, que não estão indo buscar as crianças. Elas estão sem ir à aula desde o início do ano letivo”, afirmou.
 
VOLTA PARA CASA
Moradora da Fazenda Água Limpa, Joana Darc Cardoso de Souza decidiu, junto com o marido, voltar para a cidade de Bom Jesus de Goiás (GO) para que o filho, de 18 anos, termine o ensino médio. Segundo ela, desde o início do ano letivo, o jovem não foi à aula na Escola Estadual Frei Egídio Parisi por falta de transporte.
 
“Pedi para as diretoras mandarem as tarefas online até resolver a questão dos transportes e não deram resposta e não podiam, porque acabaram as aulas online. Falei que era só para ele não perder matéria até resolver essa questão do transporte e não tive resposta. Já pedi socorro para muita gente”, contou.
 
Sem alternativas, a mãe decidiu deixar a cidade. “Cheguei à conclusão e conversei com meu esposo que, sou daqui, mas morei nove anos em Goiás e nunca tivemos problema. Nunca faltaram de aula por transporte. Meu filho concluiu o ano todo em Goiás e viemos embora e está essa bagunça. Eu acho que, uma cidade tão grande como Uberlândia tinha que ser evoluída”, disse.
 
Em tom de desabafo, Joana Darc disse que já pediu ajuda a muita gente, mas que o problema nunca é resolvido. “Se fosse um aluno que não queria ir para a escola e eu não me preocupasse, já teria polícia, Conselho Tutelar aqui me condenando. Mas, quando é uma mãe que está fazendo esforço para o filho acabar os estudos, ir para a escola, ninguém toma providência. Eu peço, pelo amor de Deus, ajuda para que meu filho vá para a escola”.
 
DIREITO DO ALUNO
O transporte estudantil da educação básica pública para alunos residentes em áreas rurais é garantido por meio Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate), que foi instituído pela Lei nº 10.880, em 9 de junho de 2004.
 
O programa federal consiste na transferência automática de recursos financeiros diretamente aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, pagos em dez parcelas anuais, de fevereiro a novembro. O cálculo do montante é baseado no censo escolar do ano anterior per capita definido e disponibilizado na página do FNDE.
 
O recurso deve ser utilizado para custeio das despesas com manutenção, seguros, licenciamento, impostos e taxas, pneus, serviços de mecânica, combustível e outros serviços necessários para bom funcionamento dos veículos. A verba também pode ser utilizada para o pagamento de serviços contratados junto a terceiros para o transporte escolar.
 
Uma consulta feita pelo Diário
na página do FNDE mostrou que Uberlândia recebeu em 2021, ano em que as aulas presenciais estavam suspensas, cinco parcelas do recurso do Governo Federal. O montante foi de R$ 298.938,39. Em 2020, foram 11 parcelas totalizando R$ 503.506,13. Somados, os valores ultrapassam os R$ 800 mil.





O Diário procurou o promotor da Vara da Infância e Juventude, Epaminondas da Costa, que informou estar acompanhando a situação e aguarda a resolução da questão. “Aguardo as informações da Secretaria Municipal de Educação. Os dados preliminares oficiais dão conta de que a resolução dessa situação está em andamento na Prefeitura, por meio da tentativa de cadastramento de veículos para tal fim”, informou o promotor.
 
O QUE DIZ O MUNICÍPIO
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Uberlândia questionando sobre os problemas enfrentados pelos alunos citados na reportagem. O Diário também perguntou ao Município a respeito da utilização da verba do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate).
 
Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Educação esclareceu que vem trabalhando para resolver as questões referentes ao transporte escolar.  Disse ainda que dúvidas e solicitações relacionadas ao tema podem ser encaminhadas à Diretoria de Transporte Escolar pelo telefone (34) 3214-1575. O atendimento é de segunda a sexta, das 7h às 18h.

O Município, no entanto, não respondeu ao questionamento feito a respeito da utilização do recurso do Pnate.


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