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20/08/2017 às 05h24min - Atualizada em 20/08/2017 às 05h24min

Lei municipal delimita espaço para grafite em Uberlândia

Norma depende de regulamentação, mas prevê autorização em áreas públicas

VINÍCIUS ROMARIO | REPÓRTER
Chamada de Beco do Amor, esta travessa no Centro tem intervenções de diversos artistas / Foto: Vinícius Romário

 

Foi sancionada no fim do mês de julho uma lei que regulamenta e visa delimitar espaços públicos da cidade de Uberlândia para que grafiteiros expressem sua arte. A norma, de autoria do vereador Filipe Felps (PSB), porém, ainda precisa ser regulamentada e trouxe algumas dúvidas para os artistas conhecidos como escritores urbanos. 

Segundo a lei, espaços como muros, postes, colunas, tapumes de obras e anéis viários seriam disponibilizados para os grafiteiros, mas, de acordo com a secretária de Cultura, Mônica Debs, o levantamento desses espaços ainda precisa ser feito. Além disso, a normativa prevê que para a prática do grafite será necessário apresentar documento de aprovação emitido pelo órgãos responsável, além da obrigatoriedade da identificação do artista. 

“A lei ainda depende de muitas coisas e não é possível, no momento, afirmar quando ela será regulamentada. Dependemos desse levantamento sobre os equipamentos públicos que serão cedidos, precisamos montar um processo para escolha dos artistas que irão utilizar esses espaços, além de criar um rito em nosso protocolo para que esses artistas apresentem os pedidos para grafitarem”, afirmou Mônica Debs.

Há também a possibilidade de que o próprio artista apresente o espaço em que deseja grafitar, ficando a cargo dos responsáveis pelo equipamento autorizarem. 

A questão das escolhas dos artistas é, também, um dos pontos que vêm causando dúvida entre os grafiteiros. Segundo Dequete, principal artista do cenário, com diversos painéis espalhados pela cidade, a lei deveria ser discutida mais amplamente antes que passe a ser colocada em prática. “Minha maior desconfiança é que essa lei tire espaço de quem está começando. Quem irá escolher e autorizar que os artistas pintem em determinado espaço? Qual espaço será esse? Vamos ser livres para sermos autorais?”, questiona Dequete. 

Ainda de acordo com a lei, a intervenção artística não poderá fazer referências a marcas ou produtos comerciais, nem conter referências ou mensagens de cunho pornográfico, racista, preconceituoso, ilegal ou ofensivo a grupos religiosos, étnicos ou culturais.  

”Sabemos que os grafiteiros são artistas livres, que gostam de expressar a arte sem interferência. Nossa intenção, no poder legislativo, é fomentar essa arte, mas, para que eles ganhem espaço, essa burocracia será necessária. São os dois lados que têm que se entender e os dois ganharão”, disse o vereador Felipe Felps. 

Aliado a isso, Felps afirma que ainda neste mês deseja realizar uma ação para que a divulgação dessa lei seja feita entre os artistas. “Ainda estamos buscando parcerias para a realização de um evento no bairro Morumbi, onde ainda precisamos de aprovação da Secretaria de Cultura, e a intenção é já liberar um espaço para o grafite, com materiais cedidos, além de outras ações culturais no local”, afirmou. 

 

INFRAÇÕES

Durante a votação do projeto, uma emenda foi apresentada pelo vereador Roger Dantas (PEN) e aprovada pela Câmara. Além das ações penais, o grafiteiro ou pichador que desobedecer aos dispositivos da lei ficará sujeito a multas administrativas. Caso o artista seja flagrado grafitando sem autorização, haverá multa de R$ 1 mil por ato realizado e ele terá a obrigação de indenizar os danos materiais causados. Caso a infração seja notada em um monumento ou bem tombado, a multa será de R$ 1,5 mil, além do ressarcimento das despesas de restauração do bem danificado. 

Segundo Felipe Felps, essa emenda foi aprovado após os demais vereadores levarem em consideração um ato ocorrido em maio deste ano. Na ocasião, o coreto da Praça Clarimundo Carneiro, no Centro, teve as portas danificadas e a estrutura física toda pichada. O imóvel faz parte do conjunto tombado pelo patrimônio histórico municipal de Uberlândia. “Votei contra essa emenda, mas a pressão externa foi grande e ela foi aprovada”, disse Felps.

Grafiteiro desde 1998, Wesley Undef também não concorda com a multa. “Acredito que será uma lei a mais que não funcionará na cidade. Nossa arte é de subversão e acho que tanta normativa em cima irá causar segregação entre os artistas e atrapalhar nosso cenário, que cresce tanto atualmente”, afirmou Undef. 

 

QUESTIONAMENTOS 

Artistas temem cerceamento do trabalho

Considerada uma arte subversiva, Dequete afirma que a maioria dos trabalhos que faz pela cidade é sem autorização, e que para cada muro que pinta após ser autorizado pelo proprietário do local, escuta nove nãos. “Então não sei como essa questão de definir espaços será aceita pelos escritores urbanos. Além de sentirmos que nossa arte poderá ser cerceada, com pessoas dizendo o que podemos ou não pintar”, afirma Dequete. Mas o artista destaca que, em meio a tudo isso, o cenário do grafite vem sendo abraçado pela população de Uberlândia. 

Undef concorda com essa afirmação. “Vem crescendo muito a procura por trabalhos comerciais e é nítida a aceitação. Antes tínhamos que explicar o que estávamos fazendo”, ressalta Undef.

Há ainda, mais uma questão, referente a grafites em construções particulares. A lei não deixa claro que bastará a autorização do proprietário para que o artista grafite um muro, por exemplo, ou se também seria necessária a autorização da Prefeitura. Segundo o autor da lei, por se tratar de um espaço privado, a autorização caberá somente ao proprietário do local, já a secretária de Cultura afirmou que o grafite em prédios privados também pode depender da regulamentação.

 

ARTE RECONHECIDA

Moradores cedem muros e defendem a prática

Há cerca de um ano, grafiteiros se reuniram com os moradores da Travessa Cascalho Rico, no centro de Uberlândia, e perguntaram se poderiam grafitar alguns muros. O pedido foi prontamente aceito e a intenção da vizinhança é que o trabalho no local continue e se torne um ponto turístico da cidade, que já é chamado de Beco do Amor. 

A assistente social Andreana Calixto mora ao lado de um dos muros que foi grafitado e, segundo ela, os vizinhos acharam o máximo o trabalho dos artistas. “Muita gente já vem até aqui para tirar foto. Agora a gente espera que eles pintem mais muros, para dar ainda mais alegria, amor e vida para esse local”, afirmou. 

O mesmo aconteceu na casa onde mora a professora de arte corporal Emili Lauren Alves da Silva, na rua São Francisco de Assis, bairro Saraiva, zona sul da cidade. Artistas pediram a autorização e fizeram grafites em três muros do entorno da residência. O resultado, de acordo com Emili, foi ótimo. “Não é só um desenho, é uma mensagem que esses artistas passam para as pessoas. Essa arte devia ser mais valorizada e ter mais espaço”, disse.

O motorista Sebastião Ferreira também apoia o grafite e afirma que a arte também devia ter mais espaço na cidade e não ser vista como marginalizada. “Esses artistas transforam tantos espaços sem vida em coisas lindas, com mensagens de amor, de combate ao preconceito. E, muitas vezes, recebem o preconceito em troca”, ressaltou Ferreira. 


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