Qualquer pessoa que preste serviços pessoalmente, sem poder ser substituído, com certa habitualidade ou frequência, recebendo remuneração por isso e sendo subordinada (recebendo ordens) ao tomador, não assumindo os riscos da atividade econômica, é denominada “empregada” e tem direito a registro em Carteira de Trabalho (CTPS) bem como todas as benesses previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
As atividades religiosas sempre estiveram envolvidas com a discussão sobre a configuração de vínculo empregatício entre os seus prestadores de serviços (ministros, padres, pastores, devotos, membros) e a entidade para a qual se dedicam.
Afinal, um pastor é empregado do templo? Um ministro exerce sua atividade com pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação? Os membros são remunerados? Existe subordinação? Se sim, entre quem?
Essas são as principais perguntas para se averiguar a existência do liame empregatício ou não.
Em 04 de agosto de 2023 foi publicada a Lei nº 14.647, que define justamente esse debate, ao alterar o artigo 442 da CLT.
Esse artigo acima mencionado trata, justamente, dos Contratos Individuais de Trabalho, ao prever que “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.”
A Lei nº 14.647 acrescentou, nesse artigo, o parágrafo (§) 2º, dispondo que “não existe vínculo empregatício entre entidades religiosas de qualquer denominação ou natureza ou instituições de ensino vocacional e ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem, ainda que se dediquem parcial ou integralmente a atividades ligadas à administração da entidade ou instituição a que estejam vinculados ou estejam em formação ou treinamento.”
Acrescentou, também, ao mesmo artigo, o § 3º, que determina que “o disposto no § 2º não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária.”
Assim, as regras protetivas da CLT não se aplicam para os "ministros de confissão religiosa", quais sejam, padres, rabinos, pastores, imames e babalorixás, nem para os "membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem".
Esse entendimento já era praticado nos tribunais trabalhistas, principalmente na maioria das turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, ao julgarem casos sobre esse tema, inclinavam-se por negar o vínculo empregatício nessas condições.
Nos julgamentos desses casos, era comum os Tribunais reconhecerem que as instituições religiosas e seus membros mantêm um "relacionamento transcendental", que advém de uma "vocação sobrenatural", na qual o templo "é o instrumento humano para o cumprimento da missão existencial de vida". Ou seja, não existe uma "contrapartida laboral".
Assim, o líder religioso não teria um chefe humano, vindo a sua subordinação a se estabelecer com uma entidade divina.
Para aqueles que recebem remuneração, a alegação é de que esses pagamentos recebidos pelos membros não têm natureza salarial, configurando como uma ajuda de custo, já que dedicam sua vida às atividades religiosas e não teriam tempo para laborar em outro local para receber o salário necessário para o seu sustento.
Porém, essa Lei nº 14.647 também prevê que o vínculo empregatício poderá ser reconhecido "em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária", para combater e tentar afastar as fraudes praticadas para mascarar uma típica relação empregatícia e não arcar com as obrigações daí advindas.
Esses casos também já eram reconhecidos pelos Tribunais. A 3ª Turma do TST, por exemplo, já reconheceu o vínculo de emprego de um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus que recebia prêmios, como casa ou automóvel, de acordo com sua produtividade e era punido caso não cumprisse metas de arrecadação de ofertas e dízimos.
É preciso analisar com cautela o caso concreto. Justiça!
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